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No processo digital, a Justiça se perde em bytes

Luís Alexandre Rassi

Aos 23 anos de idade eu falava e era ouvido no Superior Tribunal de Justiça. Hoje não! Naquela época memorável, tive a oportunidade de ver modificado entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a progressão de regime em crimes hediondo, isso foi no Recurso Especial 140.617.

O julgador iniciou seu voto afirmando:

Há, entretanto, Sr. Presidente, tema sedutor de grande importância argüido da tribuna pelo ilustre Advogado. Enfrento-o da maneira que segue (RESP 140617).

Hoje não há mais como ter um tema de grande importância a ser arguido na tribuna, senão por meio de Habeas Corpus, nas cada vez mais restritas hipóteses em que são conhecidos.

Não se duvida que o Julgador lerá o que já foi devidamente escrito em petições encartadas nos autos do processo. Mas também não se olvida que a sustentação oral é parte do amplo exercício da defesa do que ali posto, permitindo aos demais julgadores que não tiveram contato com os autos que conheça a matéria ali versada, por várias vezes julgada por crença de que se está decidindo determinada matéria em determinado processo juntamente com outras dezenas de idêntico teor. Como se fosse isso francamente possível essa perfeita identidade, nos julgamentos em bloco.

Não há mais tribuna a ser utilizada pelo advogado. Excepcionalmente, em casos muito raros, dizem que em apenas cinco processos por ministro é permitida a sustentação oral, por sessão. Recurso Especial julgado pela Turma, nunca mais vi, apesar de serem inúmeros os recursos especiais admitidos na origem; mataram o Superior Tribunal de Justiça.

Os motivos são vários. Os culpados outros tantos. Mas o corpo de delito está aí sendo dissecado. Hoje todos os recursos especiais, pelo menos os meus e de meus colegas com quem converso, são julgados monocraticamente. Dizem os processualistas dos tribunais que é para o fim de impingir celeridade aos recursos interpostos.

Balela. Do julgamento monocrático, a defesa geralmente maneja agravo regimental. Aqueles quinze minutos da tribuna são geralmente projetados para os gabinetes do relator e seus pares. É que então se pede audiência ao ministro.

E como é difícil tentar em audiência, demonstrar a existência de um documento no processo digital. Antes, com o processo em mãos, íamos direto ao documento que era o nó górdio do recurso. Hoje, para fazer algo semelhante, teríamos que nos apropriar do mouse do ministro, para no computador dele mostrar o que queremos. Talvez quem sabe pedir para que ele se levante para apropriar-se, por segundos, de seu computador.

Após a audiência, o julgamento. Do julgamento, geralmente em conjunto, são opostos Embargos de Declaração. Normalmente, em razão do julgamento em conjunto ou coletivo, novos embargos são cabíveis. E a barca se vai, com Embargos de Divergência, decisão monocrática, novo Agravo Regimental e Embargos de Declaração.

Ninguém mais se constrange em peticionar o absurdo. É que hoje se advoga eletronicamente, não se mostra a cara em uma tribuna. Nas peças protocoladas, finge-se que se advoga e finge-se que será ouvido. E o processo se tumultua.

O ministro não mais lhe conhece, as teses novas intrigantes morrem nos bytes do processo digital. Os julgamentos tornados insípidos e insossos. O Tribunal se encastela nos novos procedimentos e no processo digital, os Ministros se isolam e a Justiça se perde em bytes.

A situação caótica da Justiça não pode servir como discurso fácil para impedir, por qualquer instrumento processual, que o advogado não ocupe a tribuna. O advogado, figura imprescindível à Justiça, não pode ter sua palavra cerceada, aduzindo para tanto ser este o preço da celeridade.

Reduzir a velocidade talvez seja o preço da efetivação de Justiça, equalizando-se os anseios por aplicação escorreita do direito e celeridade. A situação vai se tornando crônica ao ponto de não ser espantoso ouvir de um ministro do Superior Tribunal de Justiça o seu total desencanto:

Observo — e isso me preocupa e desalenta — que já se vão perdendo na poeira do tempo e nos escuros do passado as preocupações com a perfeição da denúncia, o rigor da decisão que a aceita, a exaustão demonstrativa das razões da prisão preventiva, a percuciência analítica das provas para a condenação e a metódica restrita da quantificação da pena imposta; vão se apagando os brilhos das lições dos juristas mais eméritos, que dedicaram a vida ao estudo do Processo Penal, como Frederico Marques, Hélio Tornaghi, Tourinho Filho, Raul Chaves e Everardo Luna, para citar apenas essas luminares que moldaram a mentalidade de várias gerações de juristas e Magistrados.

A velocidade dos dias atuais e a urgência com que se requer a solução das demandas — aliadas perigosas contra a serenidade da jurisdição penal — em conluio com a pressão social por condenações exemplares, estão destruindo progressivamente as garantias do Processo Penal, tanto aquelas que estão expressas nos textos normativos — mas às quais se dá uma exegese pragmática e burocratizante — como as que são fruto de lenta e longa elaboração intelectual e doutrinária, com acolhida e abrigo em entendimentos jurisprudenciais venerandos mas esquecidos” (HC 115.611 – STJ).

Dá saudades de outros tempos. Como eram deliciosos os debates, a possibilidade de constranger e ser constrangido pelas teses que se apresentava. Olhar nos olhos do ministro quando ele julgava seu processo. Ter os olhos fitados quando se dizia algo que não devia. O debate, a questão de ordem, tudo tem se perdido.

Hoje, tudo pouco importa. Porque não se permite mais ao advogado falar da tribuna. E ainda querem acabar com a última tribuna do advogado, querem limitar o Habeas Corpus.

Isso não se faz!

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