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O CEGUINHO E OS ARROUBOS DA JUVENTUDE

(Roberto Delmanto)

 

O estupro é certamente o mais hediondo dos crimes contra a dignidade sexual. Tanto na sua forma tradicional, prevista no art. 213 do Código Penal quanto no estupro de vulnerável (menor de 14 anos, enfermo ou deficiente mental, ou ainda quem, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência), capitulado no art. 217-A, causa a repulsa geral e é severamente apenado.

Sua vítima é em geral a mulher, embora o homem também possa sê-lo. Costuma ser praticado sem testemunhas. Se o constrangimento do ofendido é feito mediante violência (física), via de regra causa lesões corporais, o que não ocorre se cometido mediante grave ameaça.

Todavia, em face da hediondez do crime e das penas elevadas que lhe são cominadas, deve cada acusação ser analisada com muito cuidado e critério, para evitar aquela que é a maior tragédia do processo penal: o erro judiciário.

Conta a história do STF, ou a lenda, a depender das notas taquigráficas que possam existir, que há muitos anos chegou à Corte um processo em que o acusado fora condenado por estupro.

Do fato não houvera testemunhas nem sinais de violência. Alegava a vítima que o agressor, mais forte do que ela, a segurara pelos dois braços enquanto consumava o ato.

Foi aí que, durante o julgamento, o relator, Ministro Nelson Hungria, o maior dos penalistas brasileiros até os dias de hoje, ao absolver o réu, teria feito a seus pares a pergunta que ficou sem resposta: “Mas, então, quem guiou o ceguinho?”. Ou seja: o órgão sexual masculino…

Certa vez, também há muitos anos, defendi um jovem representante comercial condenado a alta pena por um estupro cometido no interior do Estado.

 

Bonito, elegante e conquistador, fazia sucesso nas cidades que visitava a bordo de seu belo SUV, à época chamado de caminhonete. Em cada uma, arrumava uma namorada que, ansiosa, esperava por seu retorno.

Em uma delas, à qual fora pela primeira vez, conheceu uma moça, indo ambos, à noite, ao mirante da cidade, onde mantiveram relações sexuais.

No dia seguinte, enquanto ele ia embora, a jovem, que era virgem, o acusou de havê-la estuprado. Submetida a exame médico, comprovou-se seu recente desvirginamento. Processado a revelia, pois nunca mais retornou à cidade, terminou condenado e com mandado de prisão expedido.

Ao estudar os autos, convenci-me da inexistência do estupro. Este, segundo a moça, teria ocorrido com ambos em pé, encostados na caminhonete.

Em minha sustentação oral perante o TJ de São Paulo, com a Câmara Julgadora composta por três veteranos Desembargadores, tive o “insight” de assim iniciar minha fala: “Sabem Vs. Exas., homens vividos e experientes, que a relação sexual com os parceiros em pé é perfeitamente possível, embora exigindo um bom equilíbrio. Mas, um estupro nessas condições, por certo não o é”. Confesso que, em 52 anos de advocacia criminal, nunca fui ouvido tão atentamente…

Mas o mais pitoresco ocorreu quando, após minha sustentação, foi dada palavra ao Procurador de Justiça, membro dos mais eminentes do Parquet.

Referindo-se aos arranhões que o exame de corpo de delito encontrara nas costas da jovem, indagou: “Serão sinais de violência ou arroubos da juventude?”.

O acusado foi absolvido por unanimidade, mas, por outro lado, não pagou o saldo dos honorários que me devia…

 

 

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