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O HABEAS CORPUS DO CAVALO

 

Roberto Delmanto

 

         O mormo é uma grave doença que afeta os cavalos. Eliminada em vários países, no Brasil tem ocorrido ciclicamente, sobretudo no Nordeste. Suas formas mais comuns são a respiratória e a cutânea, levando os animais à morte. Embora muito raramente, é transmissível aos seres humanos.

         Quando há suspeita, o Ministério da Agricultura prevê a aplicação de dois testes sorológicos: o FC, usado para triagem, e o WB, para confirmação do diagnóstico.

         Dando positivo, a propriedade é colocada em quarentena, o cavalo isolado e, posteriormente, submetido à eutanásia, sendo sepultado no próprio local.

         Sucede que os exames sorológicos feitos no Brasil não são confiáveis, podendo resultar em falsos-positivos.

         Foi o que aconteceu em São João da Boa Vista. O lindo pampa de preto, paixão de seu proprietário, deu positivo em ambos os testes, tendo sido confinado, o sítio interditado e o sacrifício do animal determinado.

         Seu dono não se conformou, pois o cavalo não apresentava qualquer sintoma clínico da doença, por mínimo que fosse.

         Ingressou, então, com uma ação judicial, sustentando a não-confiabilidade dos exames sorológicos aplicados em nosso país, que inclusive não faz o estudo de prevalência, indispensável para o diagnóstico da doença nas diferentes regiões brasileiras.

         Conseguiu em Segunda Instância que o sacrifício do animal fosse suspenso até que pudesse obter, às suas expensas, mediante nova coleta de sangue por veterinário do Estado, um exame em laboratório alemão altamente especializado, reconhecido pela OIE- Organização Internacional de Saúde Animal, para eventual confronto.

         Realizado o exame na Alemanha, o resultado foi negativo.

         Juntado aos autos, o ilustre Desembargador Souza Meirelles, da 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, relator do Agravo de Instrumento interposto pelo autor da ação, proferiu brilhante voto que foi acompanhado por seus pares.

         Além de determinar que o exame alemão fosse confrontado com um novo exame a ser aqui realizado, decidiu pelo fim do longo isolamento a que o animal, embora continuando com excelente saúde, continuava submetido.

         Ao fazê-lo, lembrou que o cavalo está “entre os irracionais mais ‘inteligentes’, dóceis e cooperativos dentro da comunidade animal, ao qual a Humanidade deve tributo impagável, desde as mais remotas eras, pela contribuição que notadamente prestou à História no período pré-revolução industrial e continua a prestar diretamente na vida campesina e de modo indireto nos múltiplos tentáculos das nossas necessidades existenciais”.

         E mais, que “o sacrifício de animais representa um cicloin genere já ultrapassado no contexto do atual estágio moral e espiritual da civilização, por isso havendo passar por rígido controle do Judiciário, … afigurando-se tolerável em casos excepcionalíssimos, depois de frustradas todas as alternativas de caráter terapêutico”.

         Por fim, depois de ressaltar que “Justiça é o equilíbrio do Direito com a Moral”, afirmou o eminente relator Souza Meirelles em seu magnífico voto vencedor:

         “Diante… de dúvidas razoáveis de que o animal esteja efetivamente contaminado, concedo, de ofício, por recurso análogo ao instituto de ‘HABEAS CORPUS’ assegurado aos Humanos e atendendo ao consenso firmado pelos eminentes Desembargadores Ribeiro de Paula e Souza Nery na sessão de julgamento, a LIBERDADE imediata ao equino…, que doravante não mais será submetido pela mesma causa ao regime de isolamento sanitário”.

         Embora ainda não tenha sido realizado em Primeira Instância um novo exame no Brasil para confronto com aquele feito na Alemanha, a histórica decisão da mais alta Corte Paulista deu novo alento à equinocultura nacional, que gera milhares de empregos e tanto contribui para nosso desenvolvimento pecuário.

         E, sobretudo, para todos que amam esses magníficos animais, grandes amigos do homem. Entre os quais, cavalgando desde a infância,atualmenteapenasna boa marcha de uma bela égua mangalarga marchadora, presente do amigo e renomado criador Marcelo Baptista de Oliveira, eu me incluo…

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