OS ESCRITORES
(Roberto Delmanto)
O criminalista sempre fora um homem muito correto, leal, estudioso, dedicado à família, aos amigos e aos clientes, considerando que o principal destes era, na verdade, a liberdade.
Nos livros que escreveu, a maioria jurídicos, sempre defendeu a primazia da Constituição e das leis, entendendo, como Rui Barbosa, que se a Justiça não dá proteção aos nossos adversários, algum dia também poderá negá-la a nós próprios. Era, antes de tudo, um idealista, que só procurava fazer o bem.
Ao morrer, foi direto para o Paraíso. A surpresa, ao lá chegar, foi total: não se tratava apenas de um lugar altamente espiritualizado, mais parecendo um hotel cinco estrelas: apartamentos luxuosos, piscinas, inclusive uma coberta e aquecida, quadras de tênis, salões de jogos, cinemas, lindas recepcionistas, etc.
O ar condicionado era perfeito, com exceção da sala dos escritores, onde parecia não funcionar bem. Estes, inclusive na ala dos juristas, estavam todos sentados em suas mesas, com as pernas presas aos pés delas, escrevendo sem parar.
O criminalista quis conhecer o Inferno e São Pedro, excepcionalmente, o permitiu, acompanhando-o na visita.
O Inferno era mesmo terrível, tal como descrito na Idade Média. Um calor insuportável, as pessoas sofrendo e gemendo o tempo todo, lembrando o que, segundo Dante Alighieri, em sua “ A Divina Comédia”, estava escrito no pórtico da entrada: “Vós, que aqui entrais, deixai para fora toda esperança”.
A surpresa maior foi quando viu a sala dos escritores. O calor era até suportável, atenuado por alguns ventiladores muito antigos, mas o resto era muito parecido com o céu: todos – juristas, romancistas, contistas, cronistas e poetas – estavam sentados nas suas mesas, com as pernas amarradas aos pés delas, escrevendo ininterruptamente.
Perguntou, então, a São Pedro, qual a razão das salas dos escritores no céu e no inferno serem tão pouco diferentes.
Foi aí, que o sucessor de Cristo explicou-lhe o porquê da pequena diferença: é que aqueles que estavam no Inferno, apesar de terem sido muito maus, já tinham sido punidos em vida, pois ninguém lera seus livros…
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