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O OUTRO LADO DO PROCESSO PENAL

(Roberto Delmanto)

 

Ao contrário da maioria dos países civilizados, que reservam a pena de prisão para os criminosos violentos, o Brasil a prioriza, preferencialmente em regime fechado, por vezes no famigerado RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), em que o preso só sai do isolamento da sua cela por duas horas diárias.

 

Nossos presídios superlotados, imundos e medievais abrigam hoje cerca de 800 mil presos, dos quais aproximadamente 250 mil são provisórios, ou seja, ainda não foram condenados por decisão transitada em julgado.

 

Os que deles saem – em geral piores e doentes – não encontram nenhum apoio do Estado ou da sociedade. Ficam para sempre estigmatizados e a reincidência é enorme.

 

Caberia lembrar as palavras de Giorgio Del Vecchio, um dos maiores juristas italianos de todos os tempos, que há mais de 70 anos afirmou: “A história das penas, em muitas das suas páginas, não é menos desonrosa para a humanidade do que aquela dos delitos” (La Giustizia, Roma, Editrice Studium, 1946, p. 192).

 

As chamadas penas alternativas (prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana) e a pena de multa, que não degradam o condenado e cuja reincidência é mínima, ficam relegadas a um segundo plano.

 

A mídia, através de jornalistas não especializados, e pessoas leigas, todos ignorando esse quadro cruel, proclamam, entre os males do nosso processo penal, a impunidade, a demora na prestação jurisdicional com possibilidade de prescrição e o número de recursos cabíveis.

 

Isso, todavia, é apenas uma parte da realidade.

 

O instituto da prescrição é fundamental em um Estado de Direito Democrático, por várias razões, dentre as quais: a. confere segurança jurídica ao cidadão, vedando seja ele perseguido criminalmente por tempo indeterminado; b. impõe ao Estado que efetivamente se movimente em sua atividade jurisdicional, em prol da própria sociedade; c. com o decurso do tempo, a pena perde a sua finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora. Não visa, portanto, somente beneficiar o acusado.

 

Por outro lado, em virtude de alterações legislativas e jurisprudenciais, a prescrição se torna cada vez mais difícil de ser alcançada.

 

Desde 2010, o prazo prescricional entre a data do delito e o recebimento da denúncia ou queixa não é mais calculado pela pena imposta na sentença, mas somente pelo máximo previsto em lei. Por exemplo: no caso de um condenado por estelionato a pena mínima de um ano, cuja prescrição se daria em três anos, o término do prazo só ocorrerá em doze anos, pois a pena máxima é de cinco anos.

 

Assim, estando o investigado ou o indiciado solto, a polícia para apurar o crime e o Ministério Público para denunciar o autor, podem demorar praticamente o tempo que desejarem, sem risco de prescrição.

 

Outro prazo prescricional, que se inicia com a decisão condenatória de 1ª Instância, não era interrompido pelo acórdão que simplesmente a confirmasse. Pois bem: o Pleno do STF, no julgamento que está realizando, já formou maioria para mudar tal entendimento, entendendo, a meu ver equivocadamente, que a confirmação em 2º grau de uma condenação seria “um novo título executório”, interrompendo, assim, a prescrição.

 

Com a dificuldade cada vez maior dela ser alcançada, onde estaria a decantada impunidade?

 

O alegado excessivo número de recursos continua o mesmo desde a Constituição Cidadã de 88, que encerrou de vez o ciclo ditatorial. E hoje – bem sabem os criminalistas – em razão de inúmeras e crescentes exigências legais e jurisprudenciais, é cada vez mais difícil conseguir subir um recurso especial para o STJ ou extraordinário para o Supremo.

 

Mas há um outro aspecto por poucos visto: o sofrimento do acusado com a demora do seu julgamento. Não sabe se será condenado ou absolvido e, com o registro do inquérito ou do processo em sua folha de antecedentes e no distribuidor criminal, não consegue nenhum emprego decente.

 

 Junto com ele, sofre sua família, inclusive os filhos. Quando, em casos de maior repercussão, os jornais, revistas e a televisão noticiam o fato, em geral com suas fotografias, os acusados, embora ainda não condenados, mesmo se defendendo em liberdade, recebem a repulsa e a hostilidade da sociedade.

 

Ficam confinados em suas casas, não podendo, por exemplo, ir a um restaurante, cinema, teatro, shopping ou mesmo viajar de avião.

 

Essa “pena” extensiva à família não consta do Código Penal ou do Código de Processo Penal, não influi na contagem da prescrição e não atenua aquela que vier a ser imposta pelo Judiciário.

 

No imperdível monólogo “Alma Despejada”, interpretado de forma impecável pela consagrada atriz Irene Ravache, atualmente exibido em São Paulo, um industrial de sucesso, considerado honestíssimo, é de repente preso preventivamente, acusado de corrupção.

 

Enquanto o processo perdura, sua família sofre com o afastamento de amigos, vizinhos e até de parentes.

 

E, em uma cena emblemática, a coleguinha da escola do filho do casal, em plena aula, pergunta à professora: “Eu posso continuar sendo amiga dele?”

 

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