O SUMIÇO DA R.T.
Roberto Delmanto
Era o meu primeiro júri. Defendia um modesto cobrador de ônibus, pai de família de antecedentes impecáveis que, ao regressar à noite para sua casa, defrontara-se com um conhecido marginal do bairro. Este, embriagado, depois de ofender-lhe gravemente, tentou agredi-lo com uma “peixeira”, tendo o cobrador o matado com um tiro.
No júri, a minha tese era a da legítima defesa da própria vida, o maior de todos os bens humanos.
Antes de abordá-la, procurei demonstrar que o cobrador fôra primeiramente muito ofendido, o que caracterizava, por si só, uma situação de legítima defesa, desta vez, da própria honra.
O Promotor, dos mais combativos, argumentou que nossos tribunais já haviam decidido inexistir crime contra a honra quando o ofensor encontra-se embriagado, por falta de dolo. Como a jurisprudência não é pacífica a respeito, contestei-o.
Em determinado momento, notei que o Promotor chamou um dos oficiais da sessão, falando-lhe algo e entregando-lhe um bilhete.
Logo após, percebi que meu irmão Celso, que estava me prestigiando na platéia, se ausentara.
Algum tempo depois, vi que o oficial voltou e disse alguma coisa ao Promotor, que se mostrou visivelmente desapontado.
Terminado o júri, que venci por seis votos a um, soube por meu irmão o que acontecera. Ele percebeu que o Promotor pedira algo ao oficial, saindo ao seu encalço. Ficou sabendo por este que o representante do M.Público lhe solicitara que pegasse na biblioteca do Tribunal de Justiçacerto volume da R.T., a Revista dos Tribunais, para mostrar aos jurados um acórdão em abono do que sustentava, ou seja, de que bêbados não cometem crimes contra a honra.
Celso, então, antecipou-se ao oficial e retirou da biblioteca para consulta o tal volume, só o devolvendo após o júri ter terminado. Daí o desconsolo do Promotor, ao saber que justamente aquele exemplar tinha, por coincidência, sido retirado na mesma hora para consulta por outra pessoa.