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DIREITO ADQUIRIDO À PENA UNIFICADA.

Roberta Toledo Campos.

Advogada e Professora Universitária.

 

Inconformado com a data do término da sua pena de 30 anos constante no atestado de pena, um executado da Comarca de Patrocínio/MG peticionou ao Juízo da Vara da Execução Criminal local para que a corrigisse, fundamentado no art.75, §2º, do CP.

O executado foi condenado a um total de 93 anos de pena que, unificada no início da execução penal, passou para 30 anos.  Cumpridos longos anos de cárcere, fugiu depois de 20 anos e praticou um crime, em que foi condenado a 01 ano de detenção, suspensa por determinação judicial. Recapturado, o juízo determinou nova unificação de penas, desprezo do período de pena cumprido e a contagem de mais 30 anos a partir da sua recaptura.

No último dia 27 de abril, o juízo execucional assim decidiu:

O sentenciado, por meio de sua procuradora, requer a retificação do atestado de pena para que a data do término da pena seja calculada a partir da primeira prisão do sentenciado, observando-se o limite de 30 anos de prisão previsto no art. 75 do Código Penal (arquivos 126.1 e 131.1).

O Ministério Público pugnou pelo indeferimento do pedido (arquivo 129.1).

Decido.

Razão não assiste ao sentenciado.

Extrai-se dos autos que o sentenciado vinha cumprindo pena por várias condenações quando empreendeu fuga na data de 25/11/2013.

Na data de 13/03/2014, estando foragido, o sentenciado praticou novo crime, cuja pena somada às demais condenações ultrapassa 30 (trinta) anos, conforme guia de arquivo 1.63.

Dispõe o art. 75, §1º do CP que:

Art. 75 – O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos. (Redação anterior à Lei nº 13.964, de 2019)

Por sua vez, o § 2º do mesmo artigo supracitado determina:

§ 2º – Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

Com a condenação do sentenciado pela prática do novo crime posterior ao início da execução (13/03/2014), foi realizada unificação das penas e desprezado para esse fim o período de pena já cumprido, nos termos do artigo supracitado.

Dessa forma, vê-se que o atestado de pena encontra-se correto, sendo estritamente observados e cumpridos os ditames legais aplicáveis à espécie.

Data venia, parece estar equivocada a interpretação judicial quanto a qual “restante de pena” deve ser somado à nova pena. É o restante da pena unificada ou o restante da pena total?

O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser perpétuo na democracia brasileira (art. 5º, XLVII, b, CF/88). É garantia e direito constitucional de todo condenado brasileiro.

O art. 75 do Código Penal brasileiro, embora anterior à Constituição brasileira democrática, já fixava um limite máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade – 30 anos, que foi alterado recentemente para 40 anos pelo Pacote Anticrime.

Se nenhum dispositivo penal cuidasse, de forma expressa, do tempo máximo de execução das penas privativas de liberdade, a garantia constitucional poderia ser tangenciada e o condenado acabar cumprindo pena perpétua.

Mesmo que alguém seja condenado a um total de penas superior a esse limite, não estará obrigado a cumprir mais de 40 anos.

Quando alguém é condenado por um ou vários crime e a pena ou a soma das penas for superior ao limite, o art.75, §1º, do CP e o art.111 da LEP determinam que, no início da execução, as penas devem ser unificadas para atender ao limite máximo de 40 anos. A unificação das penas deve ser feita também para determinação do regime penitenciário.

Assim, a unificação de penas passou a ser um direito e uma garantia em prol do condenado (RT 612/347; TJSP: RT 603/324, 606/297, 607/306; TACRSP: JTACRIM 87/173, 88/198 e 414, 92/188 e 202).

Com a unificação, o Estado renuncia ao direito de executar o restante das penas impostas.

Uma vez unificada a pena no início da execução penal, a decisão judicial faz coisa julgada e o condenado passa a ter o direito adquirido à pena unificada (art.5º, XXXVI, CF/88). A partir daí, a sua pena passa a ser a pena unificada. Se a soma das penas ultrapassava o limite estabelecido pelo art.75 do CP, com a unificação, a sua pena passa a ser de 40 anos. E é isso que ele deverá cumprir. A pena excedente ao limite (40 anos) deverá ser descartada, já que não será cumprida.

É possível afirmar, então, que há uma única unificação sobre cada somatório de penas.

Traçando um paralelo, a unificação das penas assemelha-se à novação, instituto do direito civil (art.360 do CC), que é a extinção de uma obrigação pela formação de outra, destinada a substituí-la. Dessa forma, a novação é o ato jurídico pelo qual se cria uma nova obrigação com o objetivo de, substituindo outra anterior, a extinguir.

A novação permite a formação de outra obrigação e a primitiva relação jurídica será considerada extinta, sendo substituída pela nova.

Similis à unificação das penas.

A unificação autoriza a extinção da pena excedente ao limite de 40 anos encontrada no somatório inicial da execução penal para substituí-la pela pena-limite, qual seja, 40 anos.

Tal qual a novação, a unificação tem um duplo efeito: ora se apresenta como força extintiva, porque faz desaparecer a antiga obrigação penal, ora como energia criadora, por criar uma nova relação obrigacional. Exerce, concomitantemente, uma dupla função: pela sua força extintiva, é ela liberatória, e como força criadora, é obrigatória.

Portanto, o principal efeito da unificação quanto à pena excedente ao limite, o que podemos chamar de pena inicial, é a sua extinção e, por conseguinte, a sua substituição pena pena-limite.

Com a novação há a extinção da obrigação anterior, desaparecendo todos os seus efeitos.

Entretanto, no Brasil, lamentavelmente, a jurisprudência, representada pela Súmula 715 do STF, continua considerando a pena-inicial para fins de concessão dos benefícios da LEP, in verbis: a pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.

Caso sobrevenha condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido (cf. art.75, §2º, do CP).

O §2º do art.75 do CP constitui-se uma exceção ao limite máximo de cumprimento de penas privativas de liberdade estabelecido no seu caput.

A família Delmanto, quando discorre sobre o art.75, §2º, do CP, explica-o com um exemplo: condenado a penas que somavam cinqüenta anos, o sentenciado as tem unificadas no limite de trinta anos da pena unificada. Quando já cumprira quinze anos da pena unificada, o preso mata um companheiro de cela e é condenado a mais de vinte anos. Para atender à limitação legal de trinta anos, faz-se nova unificação, somando-se o resto da pena que ainda tinha a cumprir (15 anos) com a nova pena (20 anos), mas sem permitir que o resultado ultrapasse o limite legal. (Celso Delmanto et.al.. Código Penal Comentado. 6.ed.. Rio de Janeiro:Renovar, 2002, p. 150/151.)

Os Delmantos não deixam de registrar que o sistema favorece os condenados que pratiquem novo crime logo no início da execução da pena unificada. No exemplo já dado, se o crime posterior fosse cometido logo no primeiro ano de execução da pena unificada, o condenado seria beneficiado: teria acrescido ao restante da pena unificada que tinha por cumprir (29 anos) a outra condenação (20 anos), mas sempre se obedecendo, na nova unificação, à limitação de trinta anos.

Cléber Masson explica que:

Em caso de fuga o condenado do estabelecimento prisional, e desde que não seja praticado nenhum novo crime durante este período, o limite de 30 (trinta) anos deve ser contado a partir do início do cumprimento da pena, e não de sua eventual recaptura. Em outras palavras, a fuga não interrompe a execução da pena privativa de liberdade. Provoca apenas a suspensão. Contudo, durante o período de fuga o condenado praticar um novo delito, em relação ao qual venha a ser condenado, deverá ocorrer nova unificação das penas (restante da pena anterior acrescido do montante correspondente à nova condenação), e o limite de 30 anos terá início na data da recaptura. (MASSON, Cléber. Código Penal Comentado. 6. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018, p. 416)

Portanto, feita a unificação das penas, o condenado deve cumprir 30 anos de pena. Se durante o cumprimento destes 30 anos, o condenado foge, pratica novo delito e é condenado, deverá ocorrer nova unificação das penas – restante da pena anterior acrescido do montante correspondente à nova condenação. No caso, o restante da pena anterior é o que restava dos 30 anos e não do total unificado de penas, acrescido do montante da nova pena.

Nesse sentido, também Fernando Capez (Curso de Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017, p.563), Guilherme de Souza Nucci (Manual de Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.540), Alberto Silva Franco e outros (Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. Parte geral. V.1. TI. 6.ed.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 1.218.), Ney Moura Teles (Direito Penal – parte geral. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.420) e Paulo Queiroz (Direito Penal – parte geral. 6.ed..  Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.419) e Júlio Fabrini Mirabete (Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004, p.607/611).

Deve-se registrar, por fim, que o art. 111, parágrafo único, da LEP é expressíssimo: sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime.  E qual é a pena que está sendo cumprida? A pena unificada.

Parafraseando o Prof. Lênio Streck, Por que é tão difícil “cumprir a letra da lei”?

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