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 O  PERDÃO DO PASSIONAL

 

    Roberto Delmanto

Os jornais deram a trágica notícia com grande destaque: o marido desferira cerca de trinta facadas na mulher, dez no irmão e uma nele próprio. Ninguém morrera.

 

Preso em flagrante logo após ter sido medicado em um hospital, o acusado, um jovem comerciante, deu sua versão: viera do Nordeste com a esposa; depois de alguns anos, já estabelecido, trouxera o irmão mais moço para morar com eles; no início ia tudo bem, até que recentemente começou a notar algo estranho entre ambos; na data dos fatos, ao acordar de madrugada, não encontrou a mulher no leito; ao procurá-la, achou-a na cama do irmão com este; desesperado, pegou uma faca na cozinha, golpeou-os, não se recordando por quantas vezes, e depois tentou se matar.

 

Ouvidos no inquérito policial, a mulher e o irmão desmentiram sua versão. Segundo eles, o acusado, depois que começara a frequentar um terreiro de umbanda, passara a se comportar de forma esquisita; na noite do ocorrido, estavam dormindo, cada um em seu quarto, quando foram acordados, passando a serem esfaqueados.

 

Tendo assumido a defesa do comerciante, constatei, pelos laudos de exame de corpo de delito, que só a facada desferida nele próprio tinha sido profunda; as dadas na mulher e no irmão haviam sido todas superficiais, evidenciando que ele não queria realmente matá-los. Com essa prova, foi-lhe concedida liberdade provisória.

 

Em Juízo, o acusado manteve a mesma versão que dera na polícia. Já a mulher e o irmão não foram encontrados; tinham voltado para seu Estado natal.

 

Ao término da instrução judicial, a esposa enviou uma carta ao marido, manuscrita por ela, confirmando que a versão dele era verdadeira. Juntei-a ao processo, tendo o Promotor duvidado de sua autenticidade; o Instituto de Criminalística, ao compará-la com a assinatura dela no depoimento policial, comprovou, entretanto, que a mesma era autêntica.

 

Naquela época, aqueles que eram mandados a júri deviam apresentar-se à prisão, ainda que fossem primários e de bons antecedentes.

 

Pronunciado, antes de se apresentar, o acusado disse-me que gostaria de visitar os pais no Nordeste, pois não sabia a quantos anos iria ser condenado.

 

Ponderei que não seria bom que ele se encontrasse com a mulher e o irmão, que estavam residindo na mesma cidade dos seus genitores, afim de evitar uma nova tragédia. Ele insistiu em viajar e eu não consegui dissuadí-lo.

 

O dia do julgamento chegou e ele não apareceu, nem deu qualquer justificativa. O Juiz decretou, então, a sua prisão preventiva.

 

Os meses se passaram e não tive mais informações suas. Até que um dia, um primo dele me deu a surpreendente notícia: ele e a mulher tinham voltado a viver juntos, passando a morar na cidade vizinha.

 

Como o Brasil é grande, o comerciante até hoje não foi preso nem julgado, continuando o mandado de prisão em aberto na Delegacia de Capturas de São Paulo. Embora, por terem se passado mais de vinte anos, o processo esteja prescrito…

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