O JURADO
Roberto Delmanto
Nos Tribunais do Júri os juízes presidentes organizam anualmente, através de consultas a órgãos de classe, sindicatos e repartições públicas, a lista dos jurados.
Dessa lista, para cada julgamento são sorteados vinte e um, dos quais, no dia da sessão, devem estar presentes pelos menos quinze jurados. Destes são sorteados sete, podendo a acusação e a defesa recusar, cada uma delas, três, sem precisar dar o motivo da recusa.
Mas nem sempre foi assim. No antigo, e então único, Tribunal do Júri de São Paulo os jurados permaneciam por anos. “Seu” Igreja – esse seu apelido, por ser muito religioso – era um dos jurados mais antigos. Funcionário público, tinha grande prazer em ser convocado; o dia não era descontado do “hollerit” e ele podia fazer o que mais gostava: julgar os crimes dolosos contra a vida.
Tornou-se um jurado profissional.
Condenador implacável, era adorado pelos promotores, que sempre o aceitavam, e detestado pelos defensores, que, quando conseguiam, nunca deixavam de recusá-lo.
Certa feita, estava sendo julgado um rapaz de 19 anos, acusado de homicídio simples.
Iniciados os debates, a acusação sustentou ser ele o autor do crime, enquanto a defesa negava a autoria. Mas em um ponto, o promotor e o advogado concordaram: sendo o acusado menor de 21 anos, era, por lei, obrigatório o reconhecimento da atenuante da menoridade, que amenizaria a pena a ser eventualmente aplicada.
Na sala secreta, os jurados, por unanimidade (7 x 0), reconheceram a autoria.
Prosseguindo com a votação, o juiz presidente explicou aos jurados que, agora, iriam votar a atenuante da menoridade, sobre a qual – lembrou – não havia qualquer dúvida: era só responder “sim”.
Recolhidas as cédulas de votação, a menoridade foi reconhecida por seis votos a um. Estranhando o voto contrário, o juiz disse que iria repetir a votação, pois certamente algum jurado se enganara.
Repetiu a votação, e o resultado se confirmou: só seis jurados reconheciam a menoridade; o sétimo insistia em não reconhecê-la.
O juiz decidiu, então, prolatar a sentença condenatória, encerrando o julgamento.
Antes de dispensar os jurados, curioso com o que ocorrera, quis saber qual o jurado que votara contra, pois já não havia mais o sigilo das votações.
Foi aí que “Seu” Igreja, muito orgulhoso, informou ter sido ele, esclarecendo que, mesmo contra o que o Código Penal previa, não aceitava a atenuante da menoridade, por não achá-la justa.
Com o decorrer do tempo, o veterano jurado piorou, passando a condenar mesmo nos poucos casos em que o Ministério Público pedia a absolvição.
A partir de então, “Seu” Igreja, para sua decepção, começou a ser recusado pela própria Promotoria e, no ano seguinte, deixou, pela primeira vez, de integrar a lista de jurados…