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Dilma vai à ONU queixar-se do próprio veneno

Paulo Sérgio Leite Fernandes

O episódio da espionagem norte-americana no Brasil está produzindo muita flor. Descobriu-se que as interceptações não diziam somente com interesses ditos estratégicos, mas envolviam, inclusive, atividades relativas a petróleo, importação, exportação e outras iniciativas ligadas ao comércio internacional. A indignação presidencial, entretanto, é absolutamente retardada. O país, lá atrás, deveria saber – e sabia, há muito tempo – das múltiplas interações entre a América do Norte e nós mesmos, vinculadas oficialmente à repressão do tráfico de entorpecentes, havendo outras envolvidas, é bom dizer, no controle da Amazônia, sob o nome “SIVAM”. Aquilo foi implantado por empresa privada, depois de feroz combate, inclusive, com concorrentes franceses. Escrevi em algum lugar que quem produz um monstro deve ser capaz de domesticá-lo. Aqui, a interpretação não é difícil. Tocante ao remanescente, a Presidente vai à ONU, diga-se de passagem, sem muita base moral para reclamar contra a intromissão, pois o Brasil é, hoje, o país que mais se vale da interceptação, legal ou ilegal, para descobrir segredos alheios, provendo-se, lá atrás, de métodos rústicos, depois das empresas adstritas à internet em geral e telefonia. Agora não mais delas se necessita, tudo decorrente de uma confusa aquisição, partida de órgãos públicos de aparelhagem adequada aos fins pretendidos, adquirida, com certeza, em cada porção territorial, de uma só empresa postulante – ou convocada. Milhões de diálogos entre brasileiros, quer por e-mails, telefone ou opções outras de comunicação, estão arquivados aqui e ali, valendo-se algumas autoridades de intermediação e policiais militares cedidos em condições no mínimo ilegais do ponto de vista administrativo. Por outro lado, segmentos do Poder Judiciário, seduzidos a tanto, coparticipam da iniciativa, autorizando as investigações como se fossem juízes de instrução e prosseguindo após como intervenientes da ação penal, numa absoluta demonstração de violação das regras atinentes a impedimentos e incompatibilidades. Em consequência, os órgãos superiores de Jurisdição se encolhem, num bailado desconexo, uns legitimando as condutas, outros em censura aberta, mas deixando brechas por onde se intrometem os interceptadores, como se fossem insetos infectados mordiscando a saúde da legalidade. A Presidente da República vai à ONU, sim, manquitolando, mais ou menos como chefe de nação voltada à produção de substâncias entorpecentes mas resmungando quanto a acusações de não combater a disseminação do tóxico. Isso precisa acabar. O “Mensalão”, como provocador de atividade esmerada da Suprema Corte, já alcançou seu momento de pausa. Tocante à interceptação telefônica e digital internacional, fazemos de conta que somos cisnes imaculados singrando impassíveis águas pútridas de lago peçonhento posto dentro do próprio território. Produzimos aqui, sem vergonha alguma, aquilo que atribuímos aos espiolhadores estrangeiros. Em sentido bíblico, “por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão, e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho?” (Mateus 7:3). A Presidente precisa, sim, viajar com um tampão na boca e esquecer o computador em casa, pois está transitando com sacolas do próprio veneno gerado aqui. É, seguramente, uma loucura mansa.

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