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Mandei uma carta ao Ministro Lewandowski (Transformaram-na em processo administrativo)

Perdeu-se no tempo o hábito de correspondência no papel. Usa-se agora digitação. Tenho uns manuscritos do avô da minha mãe, mandados ao meu avô, usando-se caneta cuja pena não tinha ainda a ponta redondinha feita de iridium. A escrita saía personalizada e observava fielmente a pressão posta pelos dedos. Tocante a mim, ainda escrevo a mão. Recorro a computadores somente quando é preciso fazer-me inteligível fora dos parentes e amigos, acostumados estes à ortografia ainda firme.

Quero dizer com isso que as cartas são muito importantes. Separo-as de petições e ofícios, pois formalizados os últimos. Mandei uma carta ao Ministro Lewandowski, respeitosa é claro, mas não lhe remeti petição. Correspondo-me pouquíssimo com autoridades. Estas são acessadas por petitórios. Dentro de tal acepção, tenho nos meus arquivos, ditos implacáveis, bilhetes de gente importante sem tempo a alongamentos, mas usavam, meus correspondentes, os mesmos meios de diálogo comigo. Guardo, por exemplo, com muito recato, carta manuscrita cuidadosamente por Presidente da Suprema Corte.

A correspondência remetida ao Ministro Lewandowski era particular, coisa de velho criminalista, quem sabe o decano, circunstância extravagante, porque advogados costumam morrer cedo. De qualquer forma, sou o mais antigo, sobressaindo, diga-se  incidentalmente, pela vetustez, a todos os juízes em exercício no país, injustamente expurgados da toga aos setenta anos. Entendi, nesta qualidade, poder pedir ao Ministro Presidente, coloquialmente, determinação muito simples no sentido de que os serventuários colocassem uma cadeira à tribuna do plenário da Corte, ativando, aliás, o artigo 7º, inciso XII, da lei federal nº 8.904/94, da qual o Supremo é guardião, pois deve e precisa dar o exemplo a toda a nação. Para tal atividade não é necessário formalizar coisa alguma. Aquela casa de distribuição da justiça tem mobiliário. É o local de trabalho e eventualmente de repouso dos juízes, principalmente durante ou após sessões terrivelmente exaustivas religiosamente assistidas por mim, entusiasta dos integrantes do tribunal citado. Era só mandar alguém colocar uma poltrona discreta ali, para que o advogado falasse sentado, se quisesse, acompanhando os debates no mesmo lugar que o protegera enquanto sustentando oralmente. Há algum tempo, indaguei a um cliente diferenciado por que me queria, pois aos 79 anos já não dispunha da mesma energia concentrada nos colegas menos antigos. Em outros termos, estava cansado. Ele riu e respondeu: -“Não queremos sua pernas doutor, mas sua cabeça”.

Minha carta recebeu carimbos. Foi ao Diretor Geral do STF. Ali, um serventuário graduado, juntando-a a outra pretensão, esta sim oficial, remetida pela Secção[1] de São Paulo da OAB, afirmou que eu era parte ilegítima para pleitear, recusando-se então a examinar o mérito. Aquilo foi ao Ministro Marco Aurélio. Este tomou ciência protocolar formal daquela missiva. Concordou com a minha ilegitimidade (ad processum ou ad causam?). Determinou arquivamento do procedimento administrativo instaurado. Seria necessário, a seu ver, que o Presidente do Conselho Federal da OAB fizesse a reivindicação.

O bastonário, evidentemente, há de cumprir o preceito, solicitando à Presidência do STF a colocação de cadeira junto à tribuna, em estimulo ao dispositivo estatutário individualizado.

Surpreendo-me com a titularidade outorgada ao Diretor Geral  sobre a colocação de uma poltrona discreta à tribuna do plenário do mais elevado sodalício do país. A cadeira está na lei, repita-se. Meu pedido não era regimental, constituindo-se simplesmente numa lembrança de ativar legislação esquecida. Dou ao assunto, que secreto não é, a divulgação conveniente, encarecendo ao Presidente do Conselho Federal e ao Presidente da Secção de São Paulo da OAB a urgência de não se deixar meu pedido nos arquivos da Suprema Corte. Se a questão é posta nos estritos termos da legitimação ativa, legitimados fiquemos. Poderia, quem sabe, usar caneta-tinteiro enquanto prosseguindo na controvérsia, mas receio não ter feito, em criança e adolescência, curso adequado a tornar inteligível minha grafia.



[1] Insisto teimosamente em utilizar “Secção” e não “Seção”. Há nos arquivos paulistas estudo meu relativo ao tema.

CARTA

São Paulo, 12 de setembro de 2014

A Sua Excelência

Ministro Ricardo Lewandowski

Presidente do Supremo Tribunal Federal

 

 

Eminente Ministro:

 

         Em primeiro lugar, os cumprimentos deste velho advogado criminal, decano da advocacia especializada paulista, atuando sacrificadamente há 55 anos nos pretórios brasileiros e ocasionalmente nessa Suprema Corte. Este criminalista acompanha Vossa Excelência há muito tempo, com relevo para a tramitação do processo que centralizou as atenções de juristas e do povo do Brasil inteiro, admirando-se com a determinação, coragem e firmeza com que Vossa Excelência cumpriu suas funções. Tem-se agora o Ministro Lewandowski ocupando o posto principal na condução da Suprema Corte, desempenhando a mesma, hoje, mais que antigamente, papel relevantíssimo na história do país. Tem Vossa Excelência, duplamente, os parabéns deste advogado, quer no plano individual quer no destemor com que vem usando as vestes talares.

         Não é costume do infra-assinado corresponder-se com juízes. Fê-lo uma ou duas vezes no cinquenteno, quando imprescindível a título de ato de comunicação com um ou outro segmento do Poder Judiciário. Se e quando não o fizesse, amargaria a omissão permanentemente, circunstância nunca suportada.

         Uma das duas missivas mantidas com membro desse Tribunal, eminente Ministro, o subscritor guarda com muito recato, como se fora uma relíquia. Deu-se o Ministro Cesar Peluso ao trabalho de responder ao infra-assinado, em manuscrito, sobre pretensão angustiada no sentido de se prover a tribuna do plenário e das turmas de assento condigno para advogados, na medida em que as sustentações orais, após terminadas, oferecem duas alternativas: ou o postulante resta em pé, muita vez durante mais de 60 minutos, atento e participando dos debates porque pode determinar-se a isso em certas circunstâncias, ou toma assento na plateia, arredado da tribuna, porquanto aquilo plateia é. Sabe-se, cultíssimo Ministro, que a Lei Federal número 8.906, de 1994, assegura ao advogado o direito de falar sentado ou em pé, conforme lhe aprouver. Sentado, obviamente, não pode fazê-lo, pois cadeira não há. A outra alternativa, o empertigamento, é a solução possível, com as restrições já assinaladas. O cultíssimo antecessor de Vossa Excelência, Ministro Peluso, justificou o fato com necessidade de solucionar alguns aspectos correspondentes a eventual tombamento do mobiliário. Entretanto, o único cuidado a ter é a colocação de uma poltrona a mais no tabernáculo, atividade extremamente simples. O Superior Tribunal de Justiça já o fez, atendendo a reclamos variados. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região procedeu identicamente. Não se fale, eminentíssimo Ministro Presidente, de deficientes físicos, sem exceção de advogados cegos, buscando direcionamento sem possibilidade adequada de o fazerem.

         Entende-se, Ministro Lewandowski, a dificuldade de prestar tento a coisas menores, com tantos problemas a enfrentar no exercício da Jurisdição maior. Apesar disso, a solução adviria de um simples despacho, ou mesmo de uma determinação verbal a um servidor administrativo capacitado a tanto. Dentro de tal contexto, este advogado criminal pede encarecidamente a Vossa Excelência, sabidamente simpático à advocacia, reflexão sobre o pedido. A Ordem dos Advogados pode, certamente, fazer o mesmo, mas seria um esforço a mais entre tantos já desenvolvidos e, com certeza, prioritários. Este vetusto criminalista, talvez sem a humildade devida, é representativo na classe. Não pretende assumir postura liderante – passou-se o tempo –, mas insiste numa simples resolução. Os homens são, visceralmente, animais simbólicos. Atitude positiva de Vossa Excelência há de repercutir entre quase novecentos mil advogados. É bom para o enlaçamento maior das comunidades e demonstra carinho imprescindível após período conturbado equilibradamente enfrentado.

         Aceite Vossa Excelência o testemunho de sincera e plena admiração.

 

 

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Paulo Sérgio Leite Fernandes

Advogado OAB-SP 13.439

 

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