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O Linchamento moral

                                                                                                          (Roberto Delmanto)

            De tempos em tempos, a mídia escrita e televisionada noticia aquela que, ao lado da tortura, é, a meu ver, o crime mais hediondo contra os direitos humanos: o linchamento de uma pessoa.

            Recentemente, no litoral paulista, ocorreu a dantesca cena, quando uma jovem inocente, confundida com o retrato falado de uma “bruxa”, assassina de crianças, difundido pelas redes sociais, foi linchada pela população, depois que alguém gritou: “é ela”. Em vão, esperamos que isso não torne a acontecer, revelando toda a maldade de que o ser humano é capaz.

            Existe, entretanto, um outro tipo de linchamento: menos chocante, mas igualmente deletério, atentatório ao Estado de Direito Democrático.

            Trata-se do linchamento moral, em que cidadãos – entre eles políticos, empresários, publicitários e familiares – são expostos à execração pública, não importando se culpados ou inocentes , mesmo sem decisão judicial definitiva.

            Trechos de delações premiadas, que deveriam por lei ser mantidas em sigilo até sua homologação judicial, “vazam” para a imprensa. Apesar do protesto dos citados, não se apura a responsabilidade de quem as “vazou”, nem qual sua motivação, se política ou mediante vantagem econômica.

            A prisão provisória – temporária ou preventiva – é desvirtuada para obter ilegais delações. A coação – repudiada pelo Direito – é empregada com incrível habitualidade: quem quer sair da prisão em regime fechado ou nela não entrar, deve delatar.

            Os advogados dos acusados em vão protestam quanto à dificuldade de acesso aos inquéritos policiais, cuja prioridade é invariavelmente dada à imprensa.

            A população brasileira, chocada com a desenfreada corrupção dos últimos anos, como que anestesiada pela onda avassaladora de notícias, a tudo aplaude, transformando em heróis – sempre passageiros – alguns operadores do direito.

            A Constituição Federal, inclusive a garantia da presunção de inocência, cláusula pétrea, obtida após tantos sacrifícios durante a Ditadura Militar, é quase que diuturnamente rasgada e os que ousam denunciar o fato são tidos como apoiadores da corrupção.

Como escreveu, certa vez, o filósofo e Deputado Federal Roland Corbusier, “essa impaciência em fazer justiça com as próprias mãos a longo prazo se revela nociva à formação política e mesmo moral do país”.

            E, assim como no caso da infeliz moça linchada, tais linchamentos morais não deixam de ser uma “caça às bruxas”, que, historicamente, sempre torna a humanidade menos civilizada e mais triste…

 (O autor é advogado criminalista em São Paulo).

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