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O DESPACHO QUE GARANTIU A AMPLA DEFESA

(Roberto Delmanto)

O gerente de uma conhecida indústria, excelente chefe de família e cidadão exemplar, durante a festa de aniversário de uma filha menor, após beber, matou sem qualquer motivo um vizinho, seu inquilino, que morava de frente à sua casa. Segundo os presentes, em um verdadeiro surto, ele achara que era da polícia federal e a vítima, um terrorista.

Assumindo sua defesa, descobri que ele estava tomando um remédio sem tarja preta e vendido sem retenção da receita, mas cuja bula – que o acusado, como muito de nós o fazemos, não lera – advertia  ser absolutamente incompatível com o álcool, sendo a mistura de ambos de consequências imprevisíveis.Além da prova documental – a receita do médico, o recibo da farmácia, a bula e um parecer médico-legal de autoria do saudoso Mestre Odon Ramos Maranhão – era imprescindível a oitiva de testemunhas de defesa, inclusive o próprio facultativo que receitara o remédio.

O cliente fora preso em flagrante e assim era mantido durante a instrução judicial. Após seu interrogatório, à época realizado em primeiro lugar, havia o prazo de três dias para oferecimento da defesa prévia, com a apresentação do rol de testemunhas.O prazo terminava em uma sexta-feira, dia 23 de dezembro. Nesse dia, após preparar a defesa prévia e colocá-la em minha pasta, dirigi-me ao centro da cidade. Antes de ir ao protocolo do Fórum Criminal, então instalado no prédio do Tribunal de Justiça, resolvi fazer algumas compras de Natal retardatárias.

À noite, em casa, ao abrir a pasta tive um choque: eu me esquecera de protocolar a defesa prévia, perdendo o cliente a oportunidade de arrolar testemunhas. Passei um péssimo Natal, angustiado com minha imperdoável falha, pois a jurisprudência pacífica de então considerava o prazo fatal e improrrogável. Na 2ª feira, dia 26, dirigi-me logo cedo à Vara Auxiliar do I Tribunal do Júri para falar com o eminente Juiz José Gaspar Gonzaga Franceschini, depois Vice-Presidente da Corte paulista. Expliquei-lhe a dramática situação e o enorme prejuízo para o acusado. O Magistrado, após ouvir-me, em face da garantia constitucional da ampla defesa despachou favoravelmente a defesa prévia, determinando sua juntada aos autos.

A atitude humana e liberal do grande Juiz foi vital para que, no júri, fosse feita justiça ao acusado, cuja pena, com a concordância da promotoria, acabou sendo reduzida para dois anos, em virtude do reconhecimento da semi-imputabilidade pela ocorrência de um caso fortuito, possibilitando a concessão do sursis.

A família da vítima também se conformou, pois, por minha orientação, o cliente, através de escritura pública, doara à viúva a casa de sua propriedade em que ela  residia  como inquilina e se comprometera a dar para cada um de seus filhos um salário mensal até completarem 18 anos.  Caso ele fosse preso, perderia o emprego e não mais poderia cumprir o prometido aos menores…

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