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O DIREITO DE MATAR

(Roberto Delmanto)

 

            A vida é o primeiro e maior bem do ser humano.

            Junto com a saúde, a liberdade e a honra compõe a dignidade humana, valor mais alto das nações democráticas e da própria civilização.

            Nesse contexto, cabe indagar: existe o direito de matar? A resposta é negativa, com poucas exceções previstas nas Constituições e leis de todos os países, mesmo porque nenhuma garantia constitucional é absoluta.

            Sempre foi assim desde os primórdios, sendo o quinto mandamento “não matarás”.

O primeiro homicídio narrado pela Bíblia foi o assassinato de Abel por seu irmão Caim.

            Entre nós, o homicídio está tipificado no art.121 do Código Penal, podendo ser classificado como homicídio doloso simples, doloso qualificado, doloso privilegiado e culposo.

            O dolo, por sua vez, pode ser direto (com a intenção de matar) ou eventual (em que o agente assume o risco do resultado).

            No homicídio privilegiado o sujeito ativo age logo após uma injusta provocação da vítima, ou por um relevante valor moral ou social, havendo diminuição da pena. Já o homicídio culposo (não intencional) é aquele decorrente da imprudência, negligência ou imperícia, apenado de forma bem mais leve.

            Recentemente, foi criado entre nós o crime de feminicídio, em que o autor é o homem e a vítima, a mulher.

            O Brasil protege inclusive o nascituro, proibindo o aborto a não ser nos casos de perigo de vida para a mãe, de estupro ou de feto anencéfalo, este conforme decisão histórica do Pleno do STF. Fora dessas hipóteses, através de uma de suas Turmas, o Supremo admitiu a interrupção da gravidez até o terceiro mês.

            Diante da lei brasileira, como se enquadraria a execução do General Suleimani, chefe do exército iraniano e segunda figura mais importante do país, assassinado no Iraque, por ordem do Presidente norte-americano?

            Entre nós, as excludentes de ilicitude (hipóteses em que não há crime) são apenas quatro: o estado de necessidade (por exemplo, o agente expõe a vida de outrem a perigo para salvar a vida de pessoa acidentada, que conduz em seu carro ao hospital); o estrito cumprimento do dever legal (não podendo o sujeito ativo ultrapassar os limites do dever); o exercício regular de direito (lesões nos contendores em esportes regulamentados, como futebol, boxe, judô); e a legítima defesa (o agente, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem).

            Há, também, as causas supralegais de ilicitude, ou seja, não previstas em lei, mas de acordo com normas de cultura, sendo exemplos a mulher que registra como seu recém-nascido que lhe foi entregue por uma parteira, cuja verdadeira mãe iria abandoná-lo, ou o consentimento do ofendido em alguns casos, como no crime de dano.

            A ordem de execução do Presidente Trump contra o General iraniano não se enquadra em nenhuma dessas excludentes.

            Afora as implicações de direito internacional (mandante de um país- EUA; vítima de outro- Irã; local da morte, uma terceira nação- Iraque), tratou-se, à luz da lei brasileira, pelo uso de um drone, de um homicídio duplamente qualificado: com emprego de explosivo e mediante recurso que impossibilitou a defesa dos ofendidos, sujeito à pena de doze a trinta anos de reclusão.

            Como mediante uma única ação (o lançamento do drone) foram mortas mais de uma pessoa, houve um concurso formal (art.70 do Código Penal), aumentando a pena de 1/6 até a metade.

A excludente da legítima defesa não se aplicaria ao caso, pois não se demonstrou, ao menos até agora, que o General iraniano, e muito menos os que com ele morreram, estivessem praticando uma agressão atual aos Estados Unidos ou na iminência de fazê-lo.

            Por outro lado, eventuais agressões pretéritas, mesmo que provadas- o que também não ocorreu- não isentariam o mandante e os autores materiais da responsabilidade penal pelo ocorrido, que quase resultou em uma guerra de proporções imprevisíveis.

            Como os Estados Unidos não se subordinam ao Tribunal Penal Internacional, restará o julgamento moral, mas sempre implacável da História….

 

 

 

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