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PIOR NÃO FICA

Roberto Delmanto

 

No regime parlamentarista- que vigorou entre nós com sucesso no Império, principalmente sob o reinado de D. Pedro II-, a maioria eleita, representada por um partido ou por uma coligação partidária, passa a governar através de um Gabinete chefiado pelo Primeiro Ministro, dentro de um projeto político apresentado na eleição.

Caso perca essa maioria, em geral através de um voto de confiança negado, ele deverá tentar compor outra base majoritária e, se não conseguir, novas eleições serão convocadas pelo Chefe de Estado, representado pelo Presidente da República ou pelo Monarca.

No Brasil, o parlamentarismo foi rejeitado há algum tempo, em um plebiscito até hoje não renovado.

Acham muitos que não estamos preparados para adotá-lo, o que penso ser um sofisma, já que durante a República nunca o experimentamos, a não ser durante curtíssimo tempo, de forma anômala, pelo veto militar à posse do Vice-Presidente João Goulart na presidência, após a renúncia de Jânio Quadros.

Outros pensam que o Congresso atual, com mais de 30 partidos, não merece confiança, quando, a meu ver, o regime parlamentar obrigaria naturalmente os partidos políticos a se fundir em torno de ideias e ideais comuns, e a assumir responsabilidades.

No sistema republicano, pelo respeito ao voto popular, eleito por 4 anos, o Presidente deverá cumprir seu mandato integralmente, mesmo que não tenha maioria legislativa ou venha a perdê-la, ou ainda cometa sucessivos erros administrativos.

Apenas duas hipóteses constitucionais permitem seu afastamento.

No caso de crime comum cometido durante o mandato, se a denúncia do Procurador Geral da República, autorizada pela Câmara dos Deputados, for recebida pelo Supremo e resultar em condenação do Presidente.

Ou, tratando-se de crime de responsabilidade, se o pedido de abertura do processo de impeachment for autorizado e depois aprovado pela Câmara, com seu envio ao Senado, ao qual, sob a presidência do Chefe do Poder Judiciário, caberá julgar o mandatário e, no caso de condenação, cassar seu mandato e suspender seus direitos políticos.

Tivemos até hoje somente dois impeachments: o de Fernando Collor, que renunciou antes do seu término, e o de Dilma Roussef, que foi cassada, embora sem perder os direitos políticos.

Mas ele é sempre traumático, por representar, em última análise, uma ruptura da vontade popular.

Atualmente discute-se se deve ou não ser aberto um processo de impeachment contra o Presidente Bolsonaro. Mais de 30 pedidos aguardam decisão do Presidente da Câmara, pois a ele, e só a ele, cabe a palavra final.

Até pouco tempo, achei que o momento presente, em que vivemos uma terrível pandemia e uma gravíssima crise econômica, não seria adequado.

Os sucessivos e crescentes desatinos do Presidente da República me levaram a mudar de ideia. A absoluta falta de decoro, de respeito ao mais alto cargo que ocupa; as ameaças ao Legislativo, ao Judiciário, à Imprensa e à Ordem dos Advogados; a participação ostensiva em atos antidemocráticos; a “sabotagem” às recomendações da Organização Mundial da Saúde e da comunidade científica, afastando dois Ministros da Saúde em menos de um mês; o isolamento do Brasil entre as nações, com o consequente descrédito da nossa diplomacia, tradicionalmente respeitada, através do alinhamento incondicional e irrestrito aos Estados Unidos, levando-nos a votar “de cabresto”, me convenceram.

Com a divulgação parcial do vídeo da reunião ministerial do último dia 22 de abril, a fala do Presidente, a par de deixar clara a tentativa de interferência política na Polícia Federal, em defesa de familiares, correligionários e amigos, ameaçando o Ministro Moro de demissão, mostrou um baixo nível sem precedentes na história brasileira.

Palavrões e ofensas de baixo calão a governadores e a um prefeito feitas pelo Presidente, foram seguidos pelo Ministro da Educação, que chamou de “vagabundos” os 11 Ministros do Supremo; pela Ministra dos Direitos Humanos, que ameaçou “mandar prender” chefes de governos estaduais; e pelo Ministro do Meio Ambiente, que, descaradamente, propôs fazer desregulamentações em sua Pasta sem lhes dar publicidade, aproveitando o fato da imprensa estar focada na pandemia. Segundo ele, fazer passar uma “boiada”, bastando um parecer e uma caneta. E acrescentou: “sem parecer, dá cana”…

Os chamados crimes de responsabilidade estão previstos na Lei nº 1.079/50. Entre eles destacamos dois “contra a probidade administrativa”: o do art. 9º, n. 6, que consiste em “usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente”; e, o do art. 9º, n.7, quando “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

O sucessor imediato do Presidente, General Mourão, embora de direita, é um oficial de alta patente, que tem se mostrado educado, equilibrado e ponderado. Com ele, embora não seja o ideal, estaremos em melhores mãos, que não nos levarão a continuar passando a vergonha de hoje.

Apesar das imensas dificuldades da pandemia e do momento presente, e de todo o inconveniente de abrir-se agora um processo de impeachment, penso que, lamentavelmente, outro caminho não há. Antes que de desmando em desmando, mais mortes pelo coronavirus, do crescente autoritarismo e desgoverno cheguemos a uma ditadura.

Como dizia o slogan da campanha do palhaço Tiririca, que em um voto de protesto o levou à Câmara Federal com votação recorde: “Pior não fica”…

 

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