A timidez dos cientistas

Ou

“Somos, no mínimo, dois”

Ou, por fim,

“Quando viajo de avião, ouço Bob Dylan”

 

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QUANDO VIAJO DE AVIÃO, 

OUÇO BOB DYLAN

Paula Bajer

Paulo Sérgio Leite Fernandes

 

       Youval Noha Harari é hoje um dos maiores cientistas do mundo. Se o não for, é seguramente o mais lido.  Confessou outro dia, sem qualquer constrangimento, sua homossexualidade. Com efeito, as coisas mudaram. Até no Afeganistão, mesmo sob o domínio do Taleban, há modificações. Homens e mulheres difererenciados, antes centrados em profissões ascéticas,  descerram  vocações outras. Por exemplo, revelam ser bons escultores,  pintores excelentes,  poetastros competentes. Ou então, jogam um bom tênis, compõem peças teatrais, dedilham maviosamente um teclado eletrônico. Nenhum se equipara a Leonardo Da Vince, é claro, que carregava no lombo do cavalo o quadro hoje famosíssimo da Mona Lisa, anotando num caderninho preso à cintura o que divisava à frente.  Mas cada qual, dentro das suas possibilidades, dá conta daquela polimorfia oculta nas penumbras das sinapses. É assim, O próprio escriba  preencheu, nos oitenta e pouco anos  de culpada sobrevivência, vinte e sete “Moleskines’’, guardando-os num movelzinho feito por ele próprio na pequena marcenaria posta nos fundos da casa a lhe servir de escritório. Este escriturário, ao fazê-lo, relembrava canhestramente  o famoso cirurgião Jatene, a construir suas válvulas cardíacas na  oficina miniaturizada,  característica excepcional, diga-se de passagem, a torná-lo um santo, não fosse discutível falta de achego à investigação sobre o paradeiro de Rubens Paiva, durante a ditadura brasileira. ..

         Os cadernos de anotações são o que resta ao Paulo Sérgio. A biblioteca fica para os herdeiros. Não reservou, sequer, o par de galochas de borracha, malcheirosas  aliás, encontradas com Goodyear ao morrer, ele que perseguira, durante toda a vida agitada, o segredo de otimizar o sumo das seringueiras. Funciona assim.

         Não se espantem os leitores. Este escrevinhador não enlouqueceu. Apenas raciocina, nesta madrugada de setembro, 2021, sobre o milagre da consciência, sabendo-se que a imaginação é, talvez, a grande diferenciação entre os humanos e os animais inferiores.

         O Paulo Sérgio costuma escrever enquanto o dia nasce.   Tem medo de perder pedaços da sobrevivência quando dorme. E lê o que lhe passa à frente ou ao lado, uma absorção desconexa e sincopada, guardando um pouquinho do  todo. Dyonne, a esposa paciente e maravilhosamente esperta aos noventa anos, lhe diz, às  vezes :” Paulo Sérgio, isso é mentira!”  Recebe a divertida e plagiária resposta, furtada de Ariano Suassuna: -  “ Eu não minto. Fabulo um pouquinho.

         Daí, nesta madrugada friorenta, o escriba  leu um livro pequeno, ainda não lançado mas já pronto às livrarias,  escrito por Paula Bajer e ilustrado por Leonardo Mathias,  chamado “QUANDO VIAJO DE AVIÃO, OUÇO BOB DYLAN” *.  Para quem não sabe, Paula Bajer é filha deste escrevinhador, nascida em Santos, cidade maravilhosa a guardar, numa praça pequenina mas bem cuidada, a memória de Ana Maria Babette, logo ali, na confluência da Francisco Glicério e Canal 3.

         Nós todos, praianos por vocação, amamos Santos. Geórgia é pós- graduada em Direito e em cirurgia veterinária, prova evidente do começo da crônica,  Gustavo  é conhecido ator de teatro, integrando a Companhia do Latão. Purgamos nossa tristeza fora do mar, mas  “quem vem pra beira do mar, ai, nunca mais quer voltar¨, dizia Caymi.

         Paula Bajer é Procuradora da República, em São Paulo. Em Santos, é Paula, que estudou lá como tantas outras que saíram por aí, engalanando a terra com suas conquistas. Sobre o livro (já escreveu outros muitos, mas este é especial), basta dizer que é fácil de ler, mas difícil de pensar depois, porque a música de Bob Dylan ecoa no mundo inteiro, adiante, mesmo para aqueles que hoje, como o escriba, viajam pouco de avião.

         Paula termina dizendo: “ Visions of Johanna, eu adoro essa música. Li que foi inspirada em Keats e em T.S. Eliot”.  Depois: “Quando penso em Johanna, penso em Anna, o nome da minha mãe!. Adiante,  acentua, referindo-se a Leonardo Da Vince:” Ele fala da Mona Lisa, que eu admiro muitíssimo”.

         Já se vê que o velho marinheiro Paulo Sérgio começa e termina  num Moleskine. Lê Paula Bajer e se puder, uma vez ainda, vai às alturas,  com fones de ouvido e escutando  “I Go right where all things lost are made good again”[1]

E la nave va!

 


[1] “Vou direto aonde todas as coisas perdidas são transformadas em boas novamente”

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E