ARMANDO FERNANDES FILHO

OU

UM JUIZ PERIGOSO

 

 

 

 

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ARMANDO FERNANDES FILHO

OU

UM  JUIZ PERIGOSO

 

(Paulo Sérgio Leite Fernandes)

        Este escriba, aos sessenta e dois anos de advocacia criminal, perde para Tales Castelo Branco, que é o decano, ambos muito lúcidos, embora menos lépidos fisicamente,  pois ninguém é de ferro. Colecionamos na vida série grande de recordações, algumas delas emocionantes, pois conhecemos os maiores criminalistas que este país teve e trocamos com alguns conversas amigas. Evandro Lins e Silva foi um deles. O Paulo Sérgio guarda na biblioteca, com muito carinho, livros autografados por Celso Delmanto, José Frederico Marques e outros, além de ter acompanhado, muito próxima,  a forja da estátua de Dante Delmanto, perenizada em bronze e fiscalizando o  Primeiro Tribunal do Júri de São Paulo, recinto sagradamente conservado no Palácio da Jutiça da Capital. Enquanto dedilhando o computador,  este escriturário de Direito Penal passa os olhos sobre a biblioteca, que é grande, e vê os vetustos volumes escritos por Nélson Hoffbauer Hungria, também com autógrafo, relembrando-se que Hungria começou a vida como jurista na cidadezinha  de Rio Pomba, nas Minas Gerais, bastando relembrar que o sobrenome daquele penalista ilustre indicava familiaridade com a língua alemã.

         Os escritos do Paulo Sérgio parecem às vezes desconexos, mas têm, no fim, arredondamento lógico. O raciocínio vem chegando aos poucos, mas os dois penalistas, Hungria e José Frederico Marques, prepararam suas obras e perenizaram seu pensamento jurídico enquanto exercendo suas atividades em cidades pequenas, a exemplo de Celso de Mello, chamado, enquanto amadurecia, de “Celsinho”, isso em Tatuí, município a honrá-lo após aposentadoria no Supremo Tribunal Federal. Armando Fernandes Filho é, igualmente, amostragem dessa estirpe diferenciada, pois é juiz em “Cássia”, Minas Gerais, exercendo a magistratura dentro de uma rotina que lembrou a este escriba manifestação de Amir Klink, o célebre velejador brasileiro. Aquele navegante solitário dizia que sem a rotina nós ficamos escravos da liberdade. Dentro desse contexto, Armando Fernandes Filho, durante vinte anos, escreveu uma obra posta a público em oito volumes, chamada “JUSTIÇA – Nós temos um sonho” (Fotos abaixo). Ali, aquele magistrado tranquilo cuida “Da necessidade de controle do poder”, “ Dos juízes e da função de julgar”, “Tentativas de interferência indevida na função de julgar”, “Casos demonstrativos da necessidade de se ter juízes independentes e imparciais”, “ Tentativas de interferência indevidas na função de julgar”, “ Justiça: Nós temos um sonho”, “ Necessidades de aperfeiçoamento” e,  em dois volumes, “ Algumas reflexões úteis ao ato de julgar”.

         São mil trezentas e sessenta e sete paginas nas quais se intrometem as reflexões do magistrado Armando Fernandes Filho. Não se pode, é óbvio, fazer resenha daquele todo, porque aquilo é feito para leitura sossegada, comparando-se o pensamento do autor e as tendências de quem o lê, notando-se que o juiz, em muitas passagens, parece ter escrito com intenção mais direta de conversar com os criminalistas, na medida em que estes têm, como diz Roberto Delmanto, contato muito intimo com a alma, independentemente das maiores ou menores qualidades dos investigados.

         O autor acentua que o nome da obra foi inspirado em discurso de Luther King, “Nós temos um sonho”, chamando a atenção concentrada o sétimo volume, sintetizando quais as condições daquele que considera “O juiz ideal”, aquele pelo qual ele gostaria de ser julgado, se necessário e, em contraposição, os defeitos que devem ser evitados.

         Este escriba teve, alem de captar a confecção impecável da obra, uma sensação muito gostosa enquanto visualizando as caricaturas inaugurando as capas dos livros. As figuras não vêm assinadas, mas são muito elucidativas, todas elas, servindo de amostragem ao texto. Embora rotundamente serio, é posto com a leveza de um romancista experimentado.

         Vale a pena, no volume 5, o exame das referências correspondentes aos assuntos cuidados, sendo muito importante, também, as múltiplas notas de rodapé. No número  6, este penalista viu, no fecho da pagina 150, duas lembranças de Sobral Pinto e uma de René Ariel Dotti, forçando o escrevente a recapitular na memória relação direta, física até, com aqueles dois ícones da advocacia criminal brasileira: em suma, o Paulo Sérgio é suficientemente antigo para apreciar, enlevado, as lembranças postas por Armando Fernandes Filho, na medida em que o Leite Fernandes debateu com Sobral Pinto, meio século atrás, assuntos interessando à Justiça brasileira, o mesmo Sobral vestindo as roupas escuras nunca abandonadas, poucos sabendo a razão mística daquilo tudo. Tocando à referência a René Dotti, este escrevente de Direito Penal se emociona também, porque teve a honra, trinta anos atrás, de tomar uma refeição leve na copa da residência de René, lá no sul do país, trocando ambos pensamentos sofridos entremeados com joviais interjeições. Sobral, Dotti, Dante Delmanto, seu filho Celso, enfim, já se foram. Este redator envelhecido, o Paulo Sérgio, fica por aqui, muito envolvido com a obra do Juiz Armando Fernandes Filho, aperfeiçoada durante vinte anos de estudos obstinados, fechado no seu canto florido, oferecendo-nos este presente depois, principalmente aos penalistas.

         A obra é produzida por Lemos & Cruz Livraria Editora. Tem impressão e acabamentos atribuídos à Gráfica Viena. Deve estar nas livrarias. Coisa muito bela!

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