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Sobre a crônica “Homenagem aos criminalistas – ou Saudades de Waldir Troncoso Peres – Ou, por fim, La Nave Va”, de 16 de dezembro de 2021, do escriba Doutor Paulo Sérgio Leite Fernandes.

 

Tocado pela misteriosa emoção de fim de ano, o escriba Doutor Paulo Sérgio Leite Fernandes tira, dos escaninhos da alma, a lembrança de um episódio em que passa uma noite de Natal longe do aconchego familiar, subindo um morro para defender, em um posto policial remoto, uma pessoa humilde e pobre, embora envolvida em atividade criminosa.

Segundo o escriba, ao voltar para casa com a consciência pacificada pelo cumprimento do dever, “a noite de Natal já se fora”, e, como uma lembrança puxa outra, veio a saudade do Doutor Waldir Troncoso Peres, a quem considera o maior criminalista brasileiro, prestando-lhe homenagem e a todos os seus colegas de missão.

O Doutor Waldir Troncoso Peres, o mais brilhante criminalista que já vi atuar, merece mesmo lembrança carinhosa.

O Doutor Waldir devotava-se, apaixonado, à Advocacia, portando-se com extrema ética, dignidade, boa-fé e amor à Justiça. Afirmava que a clausura do escritório era o seu paraíso, a sua inspiração, a sua vida, onde dava asas à imaginação; e que, enquanto tivesse energia, não se aposentaria, como registrado numa de suas entrevistas.

Quando o Doutor Waldir se comunicava, “falava” por palavras, gestos e silêncios, cativando o próprio tempo, que, encantado, parava para observá-lo.

Calado, parecia uma figura comum, mas ao iniciar a sua sustentação, transfigurava-se: a sua alma transbordava, conversando de olhos nos olhos, de coração a coração.

Não tive a felicidade, tal como o Doutor Paulo Sérgio, de ser seu amigo e de receber seus conselhos diretamente, mas uma passagem da vida do Doutor Waldir marcou definitivamente a minha.

Há muitos anos, um conhecido comum relatou-me que, na palestra de encerramento de um congresso de juízes – se não me falha a memória, em Poços de Caldas das Minas Gerais –, o Doutor Waldir fez uma “confissão” da qual me lembro praticamente todos os dias.

Ei-la.

Naquela palestra, o Doutor Waldir, vestido com a sua beca surrada, explicou que com ela havia ajudado muitos réus a obterem a liberdade e que queria ser com ela sepultado na esperança de que, ao se apresentar como réu ao Juiz Supremo, a imagem daquela beca o auxiliasse, de algum modo, a obter a própria libertação.

Sou juiz há décadas e também tenho uma beca, que uso em minhas audiências. Já está perdendo a cor, exibindo, como eu, as marcas do tempo.

Desde que tomei conhecimento dessa “confissão” do Doutor Waldir, sempre que visto a minha beca – que me recuso a substituir –, executo, mentalmente, um ritual que tenho como sagrado: lembro-me do Doutor Waldir e de sua beca como a me recordarem de que, romeiros na Terra em busca da pátria eterna, seremos todos, um dia, “medidos” no tribunal divino.

E, assim como o Doutor Waldir, desejo apresentar-me ao Juiz Supremo envergando a minha beca puída, testemunha e companheira de tantas jornadas, na esperança de que o Divino Mestre, ao fitá-la, me considere um trabalhador minimamente digno dos talentos que, generosamente, Ele me adiantou…

E com carinho e admiração por Waldir Troncoso Peres e pelo escriba Paulo Sérgio Leite Fernandes, rendo-lhes as minhas homenagens, extensivas a todos os criminalistas dignos desse nome e capazes de, numa noite de Natal, deixarem a alegria dos próprios lares para auxiliar um desconhecido, artífices da venerável Ordem dos Advogados, essa “ordem tão antiga quanto a magistratura, tão nobre quanto a virtude, tão necessária quanto a justiça”, no dizer expressivo de D’Agesseau; sabedores de que é mais fácil encontrar o Cristo perto das lágrimas dos que sofrem do que do riso dos felizes.

Que neste Natal o Cristo encontre abrigo definitivo em cada coração de modo que “La nave” da Terra “va”, em viagem segura, ao porto da paz e da boa vontade entre os homens.

Assim seja.

Santa Rita de Cássia, 22 de dezembro de 2021.

Armando Fernandes Filho

Juiz de Direito em Minas Gerais

 

 

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