O Ministério Público precisa entender que o Juiz manda nos autos. É isto.

Ou

O Processo Penal é uma canção trágica. Preciso ser bem entendida.

Ou, por fim,

Às vezes, o processo é uma folha morta.

*(Feuilles Mortes)

 

 

 

 

Este antigo esculápio do direito penal e processual penal brasileiros age, normalmente, por provocação imediata, porque os acontecimentos, sem exceção daqueles concretizados na Justiça Penal, são impactantes, embora episódicos, exigindo presteza e uma certa criatividade dos interpretes, pois o tempo perdido para estudo profundo das matérias postas a público é, quem sabe, precioso, na medida em que os especialistas, mormente aqueles viciados na criminologia, não podem esperar. Os fenômenos práticos examinados pelos graus superiores da Jurisdição devem ser conhecidos com presteza. Daí a importância de uma célere comunicação entre os Tribunais e aqueles que intelectualizam as consequências.

Vale a introdução, dizendo respeito a importantíssimo voto, no Superior Tribunal de Justiça, do Ministro Sebastião Reis Júnior, concernente, sim, a uma provocação incidental, mas penetrando profundamente numa questão teleológica extra-penal, fumigando nos subterrâneos das relações entre os intervenientes nos procedimentos penais brasileiros, sabendo-se que ali intervêm, habitualmente, a chamada Polícia Judiciária, o Ministério Público, Juízes incumbidos de decisões relativas a casos concretos e, no fim da linha, acusados e seus defensores, aparecendo, excepcionalmente embora, os chamados assistentes da acusação pública. Os combates judiciais – e combates são – constituem, então, um bailado muito complicado, cujos acordes finais implicam, constantemente, na diferença entre a liberdade e a reclusão, com as exceções de estilo. No fim das contas, um caminho repleto de acordes, como as peças musicais, em que há tons maiores e menores, o ribombar dos tambores, as pausas, os sussurros de um lá menor ou os saltitamentos de um tom maior, pontificando os agudos.

As batalhas judiciais são assim mesmo: conforme a tendência do ou dos executantes, a vida e a morte estão vertendo, sendo evidente que a condenação a vários anos de aprisionamento na podridão dos presídios equivale, sim, a que o destinatário se encontre morto em vida, torturado no convívio com outras dezenas de zumbis comungando pestilências nos presídios podres mantidos nesta nação sofrida.

Este velho advogado criminalista vê as coisas sob este enfoque particular, que pode ser extravagante mas que, bem examinado, é pura e simplesmente um entre os vários aspectos exibidos pelas múltiplas sentenças penais vicejando nos diversos setores da Jurisdição. O escriba teve consciência plena do fenômeno hoje, às 09 horas, enquanto lia e conscientizava voto recentíssimo prolatado no Superior Tribunal de Justiça pelo Ministro Sebastião Reis Júnior, a ser levado em sequência à apreciação de porção maior da Corte, na semi-plenitude, para servir, quiçá, de apontamento e previsão para o que vem por aí.

A manifestação do Ministro Sebastião Reis Júnior foi posta no Recurso em Habeas Corpus nº 83233 de São Paulo, com número acrescido (2017/0083338-5), concedido sob ementa nos termos seguintes: “PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO MAJORADO. FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. OBTENÇÃO DE DADOS FISCAIS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DIRETAMENTE À RECEITA FEDERAL SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. QUESTÃO NÃO COMPREENDIDA NO JULGAMENTO DO TEMA 990 PELO STF. ACESSO DIRETO PELO ÓRGÃO DA ACUSAÇÃO QUE NÃO SE CONFUNDE COM A REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS, PREVISTA LEGALMENTE E RECONHECIDAMENTE POSSÍVEL PELA CORTE SUPREMA. COMPARTILHAMENTO QUE OCORRE, DE OFÍCIO, PELA RECEITA FEDERAL, APÓS DEVIDO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO EM QUE, POSTERIORMENTE AO LANÇAMENTO DO TRIBUTO, VERIFICA-SE A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DA PRÁTICA DE CRIME. ILEGALIDADE CONFIGURADA. RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DOS DADOS OBTIDOS PELO ÓRGÃO DA ACUSAÇÃO E OS DELES DECORRENTES”.

O voto do Ministro Sebastião Reis Júnior tem quinze laudas. Vai aqui transcrito na íntegra, em razão da importância e alcance da decisão. Este escriba acentuou, no início da crônica, que algumas manifestações do Poder Judiciário têm efeitos teleológicos relevantes, pois penetram no cerne de uma dita potencialização anômala da atividade da nobilíssima Instituição do Ministério Público Nacional, sabendo-se que essa corporação acusatória vem manipulando a instrumentalização dos procedimentos agindo independentemente da fiscalização do Poder Judiciário, isso com hipotético apoio provindo de dispositivos constitucionais. Em síntese, servindo a chamada ação penal Lava-Jato como uma venenosa inoculação, o Ministério Público Nacional abriu comportas variadas de um autoritarismo cada vez maior, insinuando-se entre diversos órgãos investigatórios e disciplinares, num comportamento imperativo raríssimamente disputado, formal ou informalmente. Nessa medida, aquela ação penal aqui citada alastrou seus tendões aracnídeos, entusiasmando-se então, vez por outra, conjuminadas com segmentos menores da jurisdição, porções outras da acusação pública. O acidente de percurso referido se alastrou aqui e ali, incorporando uma força que, num certo sentido, está aviltando a própria figura do juiz, valendo a pena dizer que não são todos os magistrados a colocarem nos devidos lugares os partícipes do contraditório penal, um bailado sim, exigindo a presença de um maestro a bater com a batuta nos dedos do aluno desobediente.

Perdoe-se o velho escriba por exprimir em tonalidade musical, o significado do Acórdão emitido pelo Ministro Sebastião Reis Júnior. A decisão, foi explicado inicialmente, extrapola limites comuns, incorporando relevância que merece reflexão profunda quanto à função do Ministério Público no panorama jurídico-político do país. É bom dizer, para terminar a crônica e antes da transcrição completa da manifestação jurisdicional do Ministro citado, que este vetusto aprendiz da advocacia tem na vida uma dose grande de coincidências, porque o jornal O Estado de São Paulo de hoje, sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022, traz um editorial sob o título “Os extremos do Ministério Público”. Afirma-se, ali, que a instituição parece alternar entre a perseguição abusiva sem provas e a atual passividade da Procuradoria Geral da República perante as provas. As duas situações têm o mesmo erro de fundo. Enfim, um belíssimo voto e um preciso editorial. E La nave va.

*1) link do voto - RHC-83.233 – Voto

*2)Letra da música­­­­­­­­­­­­

 

Les feuilles mortes**

Yves Montand

Oh, je voudais tant que tu te souviennes
Des jours heureux où nous étions amis
En ce temps-là la vie était plus belle
Et le soleil plus brûlant qu’aujourd’hui

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle
Tu vois, je n’ai pas oublié
Les feuilles mortes se ramassent à la pelle
Les souvenirs et les regrets aussi

Et le vent du Nord les emporte
Dans la nuit froide de l’oubli
Tu vois, je n’ai pas oublié
La chanson que tu me chantais

C’est une chanson qui nous ressemble
Toi tu m’aimais, et je t’aimais
Nous vivions tous les deux ensemble
Toi qui m’aimais, moi qui t’aimais

Mais la vie sépare ceux qui s’aiment
Tout doucement, sans faire de bruit
Et la mer efface sur le sable
Les pas des amants désunis

La, la, la, la
La, la, la, la
La, la, la, la
La, la, la, la
La, la, la, la
La, la, la, la
La, la, la, la
La, la, la, la

Mais la vie sépare ceux qui s’aiment
Tout doucement, sans faire de bruit
Et la mer efface sur le sable
Les pas des amants désunis

 

————————————————————————————————————————————-

 

** A letra foi extraída da internet. Contém erro. O primeiro verso tem a expressão ” Je voudais”. Não é. Deveria ser “Je voudrais”. Corrija-se.

 

Deixe um comentário, se quiser.

E