O agiota e os honorários – por Roberto Delmanto
O agiota e os honorários
Roberto Delmanto
Há trinta anos, quando os bancos não cobravam os altíssimos juros de hoje, falava-se mais nos agiotas.
Naquela época, “seu” Abdo era considerado por muitos o maior de São Paulo.
Vestia-se modestamente, quase sempre com o mesmo terno, acompanhado, quando necessário, de um “pullover”. Residia, com a mulher bem mais moça do que ele – homem de meia-idade – e os filhos, em um pequeno apartamento. Não tinha empregada, sequer uma faxineira quinzenalmente. Seu único carro era um velho “Fusca”.
Na verdade, não possuía nem mesmo um escritório. Utilizava, para seus negócios, o saguão da agência de um grande banco no centro da cidade, dando, para tanto, uma gratificação mensal ao gerente.
Sempre capaz de emprestar enormes somas a pessoas físicas e jurídicas, inclusive estrangeiras, “seu”Abdo era implacável com os devedores. Não perdoava, por mais que lhe implorassem, um só dia de atraso, encaminhando imediatamente ao protesto o título dado em garantia.
Acabou, mais tarde, sofrendo muito: primeiramente, tendo de se “exilar” no país de origem, até que uma revisão criminal o absolvesse de certa condenação sofrida; depois, passando por graves problemas de saúde.
Foi, durante anos, cliente do nosso escritório. Algumas vezes como réu, acusado de usura; outras, como vítima, em virtude de duplicatas simuladas que lhe haviam sido entregues em garantia ou de cheques sem fundos dados em pagamento.
Meu pai Dante chegou a aconselhá-lo a comprar um pequeno banco, regularizando e dando um pouco de paz e dignidade à sua atribulada vida. Ele, logicamente, não escutou o conselho, pois os juros bancários de então nem de longe o seduziam…
O talento maior de “seu” Abdo, entretanto, vinha à tona na hora de contratar os honorários. Lamuriava-se muito, alegava momentâneos problemas financeiros e de saúde, conseguindo sempre pagar muito menos do que a dificuldade da causa e a sua própria fortuna permitiriam.
Certa vez, meu genitor, cansado de atendê-lo, encaminhou-o a Celso, meu irmão mais velho, então um jovem advogado.
“Seu”Abdo expôs-lhe em detalhes a nova causa, mais uma das habituais “confusões” em que se metera…
Após ouvi-lo atentamente e analisar a complexidade do caso, Celso lhe fêz a proposta de honorários: algo, hoje, em torno de quarenta mil reais.
“Seu”Abdo, como estava acostumado a fazer com meu pai, alegou que o valor pleiteado era muito alto e que no momento não poderia pagá-lo, disse estar doente e chegou até mesmo às lágrimas…
Após tantas lamúrias, escutadas pacientemente, meu irmão interrompeu-o, dizendo-lhe: “Sinto muito ‘seu’ Abdo, mas por menos do que cinquenta mil reais não dá para fazer”.
Tomado de surpresa, “seu” Abdo, dando um pulo, indagou: “Mas como cinquenta mil, Dr. Celso, não eram quarenta?”
Ao que meu irmão, calmamente, lhe respondeu: “Isto era há meia hora atrás. Agora que eu vi o ‘trabalho’ que o senhor vai me dar, não posso cobrar menos do que cinquenta”.
“Seu” Abdo, assustado, assentiu, então, rapidamente: “Tudo bem, Dr. Celso, ‘fechado’ por quarenta”.
Pela primeira vez, em muitos anos, nosso escritório tinha conseguido fazer com ele um bom contrato de honorários…
Essa foi boa demais. Nada como um advogado perspicaz diante de um patrício avarento.