Home » Filmes Jurídicos » A vida de David Gale

A vida de David Gale

A vida de David Gale
(The life of David Gale – 2003)


Lucas Andreucci da Veiga

David Gale (Kevin Spacey) é professor universitário e expoente militante defensor da abolição da pena de morte nos EUA. O respeito de todos a ele deferido, no entanto, não impede sua condenação à pena capital pelo assassinato de outra ativista da mesma causa humanitária, amiga sua e confidente. Os fatos e indícios levam à firme convicção da autoria. Aguardando no corredor de morte o dia da aplicação da injeção letal, o educador convoca a jornalista Bitsey Bloom (Kate Winslet) a fim de expor nova versão sobre o crime havido. Ele seria inocente. E existiriam provas da afirmação. Faltando dias para a execução, começa frenética busca por novos elementos comprovadores da não culpabilidade do condenado.

Sobre esse prólogo se desenvolve o filme, trazendo a cada momento evidências apontando em direções diversas. Nos últimos minutos do longa-metragem tudo indica aproximação da verdade – ou aquilo que se entendia como tal – mas as reviravoltas não terminam aí. Acredita-se em um primeiro momento que David Gale não tinha relação com os fatos e que seria outro o autor do homicídio. Descobre-se nos derradeiros instantes, no entanto, que a morte da ativista não fora provocada por outrem mas decorrera da própria vontade da até então tida por vítima. De seu lado, o professor consentira com a decisão pela moça tomada, participando do plano ao deixar vestígios a apontá-lo. Aceitou a inevitável execução por determinação legal.

O objetivo da engenhosa trama – ou seja, a simulação de um assassinato assinalando deliberadamente fictício autor, o surgimento de elementos indicando a aparente inocência deste e somente então a revelação de que o educador na verdade fora apenas conivente com o suicídio da companheira – é mostrar de forma concreta e exemplificativa as falhas do sistema acusatório, principalmente em relação às provas que poderiam induzir à condenação de um inocente à pena máxima.

A principal questão posta em “A vida de David Gale” coloca a temática da pena de morte como secundária, trazendo como questão principal uma das mais maiores preocupações do direito penal hodierno: o risco de se condenar um inocente em face da necessidade de reclusão daqueles praticantes de crimes. Frente a tal dilema, a ciência jurídica busca soluções, por exemplo, em princípios tais como o in dubio pro reo – a presunção da não culpabilidade – e a vedação à antecipação de execução da pena antes do definitivo trânsito em julgado da condenação. É lembrar Voltaire: “– É melhor correr o risco de salvar um homem culpado do que condenar um inocente”. Tal expressão foi proferida na luta do filósofo pela revisão do processo Jean Calas, na França do século XVIII. Assemelhadamente, existem diversos exemplos de erros judiciais ao longo da história. Cite-se, na própria nação europeia, dois séculos após, o “caso Dreyfus”, na revisão do qual se engajou Émile Zola, ou ainda, no Brasil, o ocorrido com os irmãos Naves décadas atrás. Cabe, aqui, transcrever pensamento emitido pela personagem de Kate Winslet no filme: “ – não existem verdades, apenas perspectivas”. Aproveitando a frase, embora esta possa ser questionável, é de se lembrar que não deve prevalecer o mero juízo de probabilidades, pois não passam estas de perspectivas, ou seja, são desprovidas da necessária convicção indissociável e indispensável à imposição de sentença condenatória. Isso não impede eventuais descuidos na coleta de provas e na aplicação da lei, consequências abomináveis resultando em crassos erros judiciais.

Certo é que o sistema processual-acusatório se revela imperfeito. Resta aos aplicadores da lei, na busca por evitar a condenação daqueles desprovidos de qualquer culpa – o que se configura como antônimo do ideário da justiça, fim máximo do direito –, atentar ao bom-senso e, fundamentalmente, em havendo dúvida mínima, livrar solto quem pode ser apenas mais um inocente.

Deixe um comentário, se quiser.

E