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Tropa de Elite 2

Tropa de Elite 2
(2010)

Lucas Andreucci da Veiga

José Padilha, na continuação da obra consagrada pelo público e crítica sobre a elite da polícia fluminense, traz Wagner Moura mais uma vez como o Capitão Nascimento, agora Tenente-Coronel do BOPE. O protagonista acaba ocupando a posição apenas por um curto lapso de tempo em virtude das consequências de invasão que comandara ao famoso presídio de segurança máxima de Bangu I, tomado pelos detentos. No episódio relatado logo no início do longa-metragem, a retomada do controle daquela unidade prisional é alvo de ferrenhas críticas pelos defensores dos Direitos Humanos, principalmente em relação à postura policial adotada na supressão à insurreição dos internos. A ação dos agentes de segurança, no entanto, foi aprovada pela população em geral e, em particular, pela burguesia e políticos simpáticos aos interesses dessa porção da sociedade.

Por conjuntural conveniência, saído do Batalhão, Nascimento é alocado pelo governador na Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. O cargo na administração estadual não é recebido sob a forma de penalização, mas de reconhecimento. Como o próprio policial comandante do BOPE definiu, “pensaram que eu ia cair pra baixo, mas eu caí para cima”.

“De cima”, o Tenente-Coronel passa a dispor de meios a lhe possibilitarem melhor aparelhamento da Polícia – e, em especial, do BOPE – a fim de intensificar seu quase pessoal combate ao tráfico de drogas nos morros cariocas. Surgem com os recursos trazidos por Nascimento o “Caveirão” e helicóptero para acompanhar as ações nos morros, blindado à semelhança daqueles utilizadas em zonas de guerra. No entremeio, faz-se rápida referência a aparelhagens à disposição daquele órgão estatal, como o famoso “Guardião”, utilizado na interceptação simultânea de centenas de comunicações telefônicas dos cidadãos.

Posto o cenário, os traficantes gradualmente perdem seu espaço pela efetivação do trabalho das forças de segurança na repressão ao comércio de entorpecentes. Os policiais sustentados pelas drogas através da corrupção, alijados dos rendimentos auferidos pela conivência com os ilícitos, descobrem nova forma de não se verem privados de algum rendimento “extra”. Assumem nas favelas o controle da distribuição de gás e de serviços outros tais como a TV a cabo clandestina – o “gatonet” –, se impondo cada vez mais naquelas localidades. Organizam-se as milícias, compostas por personagens capazes de atrair interesse da classe política e tendo proximidade, inclusive, com o governador.

Nesse contexto se desenvolve a trama, mostrando detalhadamente as sórdidas alianças entre policiais corruptos, políticos desonestos, apresentadores de programas policialescos – veladamente simpáticos às milícias – e moradores das comunidades, agrupando-se todos para a realização de interesses particulares diversos mas sempre contrariamente ao fim público.

Em outra história correndo ao largo mas jamais secundando a narrativa, é mostrada a incansável luta de Fraga, Deputado e ativista dos direitos humanos, no enfrentamento das milícias por meio da Assembléia Legislativa e suas CPIs, além das frequentes intersecções na vida de Nascimento.

Atentando-se para “Tropa de Elite 2”, percebe-se que, fundamentalmente, o filme trata das mazelas sociais provocadas pela generalizada e constante prática de ilícitos por aqueles que deveriam zelar pelo respeito à lei e à ordem pública: os policiais. A análise jurídica, paralelamente, faz-se no sentido de mostrar que a Instituição responsável pelo primeiro enfrentamento do crime – seja na repressão em si, na investigação criminal ou nas anteriores políticas de prevenção –, ao abdicar de suas funções, passa a ser ela mesma primeiro omissa, após tolerante, cúmplice e, enfim, autora de crimes de natureza diversa. Prejudica o andamento de investigações e até se envolve por vezes em confronto com outros agentes, embates estes que, não raro, acabam em morte.

A origem da corrupção no âmbito da Polícia, para sociólogos e estudiosos diversos, pode ser encontrada na manipulação empreendida pelos detentores do poder – e por isso comandantes indiretos das ações realizadas pelos policiais –, funcionando a Instituição como longa manus orientada à consecução de interesses particulares. Contraria aquilo pontualmente escrito por Bismael B. Moraes, ao assentar que “as instituições do Estado não pertencem aos governantes ou administradores, que são temporários, mas à sociedade, na totalidade de seus membros, que é permanente[1]”.

Perceba-se que não se quer, aqui e no filme, fazer crítica aos policiais e à Polícia. O que se repudia é o desvio da função social de alguns agentes de setores da Instituição, assim como de outras esferas da Administração Pública. Na busca por realização de objetivos contrários aos almejados pelo interesse coletivo, instala-se uma política do medo e de insegurança jurídica e, por plena descrença em relação às instituições democráticas, a comunidade começa a desconfiar de seus representantes pelas faltas cometidas por alguns agentes e pela obscura manobra que terceiros fazem de outros. Na tentativa de repressão à criminalidade – enquanto se deveria priorizar a prevenção – incentiva-se o exponencial aparelhamento das forças de segurança. Concomitantemente, olvida-se das origens e dos fundamentos das condutas infracionais e das motivações de seus praticantes. Exsurgem discursos nos quais se defende orgulhosamente o estigma ora de ser o Estado com a maior população carcerária do país, ora de se ter a mais eficiente política repressiva – leia-se mortífera –. Há interpretação equivocada dos números, talvez até dolosa, relacionando-os à pretensa vitória na cruzada contra a criminalidade habitual. Esquece-se que enquanto não resolvida a questão social, inclusive com a participação da Polícia através de ações preventivas como a conscientização da população, permanecer-se-á como frustrados Quixotes eternamente investindo contra moinho invencível a girar incansavelmente.

Perceba-se que o “sistema” citado repetidas vezes no filme se configura não como um organismo autônomo, tampouco como uma engrenagem aleatória, mas como um complexo entrelaçar de relações lícitas e ilícitas perpretadas por mocinhos e bandidos, confundindo-se todos de tal forma que achar uma saída parece estar além da capacidade de cada um.


[1] “Polícia, Segurança Pública, Governo e Sociedade”, in A Polícia à luz do Direito, Revista dos Tribunais, 1991


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