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Sakineh livre, um rebate falso

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Há no Código Penal algumas figuras pouquíssimo usadas: uma delas é o tipo legal chamado exploração de prestígio. Aquilo acontece quando se promete um resultado porque se é amigo de determinada autoridade, um juiz, por exemplo. Nos Estados Unidos da América do Norte o lobby é legal. Aqui não, embora seja lugar-comum nas vizinhanças dos palácios. Quando se pensa em exploração de prestígio vem à tona o chamado “Conto do Serviço Militar”. Funcionava assim, nas calendas: alguém, dizendo ser influente nas Forças Armadas, cobrava algum para a reprovação do jovem no exame de aptidão a prestar o serviço militar. Havia o tradicional “pé chato”. Soldado não podia ter “pé chato”. Acontece que muitos nasciam com aquilo. Diagnosticado o problema palmar, o jovem voltava para casa e o intermediário embolsava o dinheiro. Se não desse certo, negociava-se uma parte da devolução. Daí meu desconforto com os militares, ou, quem sabe, até uma certa dose de satisfação masoquista, porque a família era muito séria e eu não tinha “pé chato”. Fiquei um ano lá dentro e, por sinal, fui preso de smoking num fim do ano assemelhado àquele que se aproxima. Puseram-me de guarda na madrugada do ano novo. Um sargento já morto não gostava de mim. Pulei os muros vestido a caráter e fui abraçar a namorada cheirosa como aquela acalentada por Vinícius de Moraes numa das suas mais lindas poesias. O retorno, enquanto raivava o sol do ano entrante, foi terrível. Fiquei exposto à soldadesca, ainda vestido de preto, sendo castigado duramente. Valeu a pena a conduta de risco…

O mau exercício de qualquer profissão pode ser uma espécie de exploração de prestígio. Assegura-se um resultado com argumentos ligados a influência ou amizade com a autoridade. Vencendo-se a ação, a ligação afetiva era real. Perdendo-se a causa, o “pé chato” não funcionou.

O episódio Sakineh não pode ser assim. Houve, no dia 09 de dezembro à noite, uma notícia de que a condenada havia sido posta em liberdade, sendo localizada em casa. A divulgação teria advindo de uma ONG libertária. No fim de tudo, os aiatolás desmentiram. Sakineh continua no corredor da morte. No entretempo, o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, um “fazedor de chuva”, assentou melifluamente, ou sugeriu, que a Presidência da República teria influenciado na soltura, se real fosse. Felizmente para todos, fez a ressalva, mas ficou por ali, comunitariamente bem posta, a relevância das relações de afeto entre o Poder Executivo e o Presidente do Irã. Admita-se que isso até possa funcionar mais tarde, numa espécie de moeda de troca com a desastrada interferência da diplomacia brasileira, omitindo-se Celso Amorim em acompanhar censura ao Irã no drama medieval. É a única explicação possível para o silêncio do Brasil naquele momento sublime de proteção aos Direitos Humanos. Entretanto, o assessor especial precisa ter muito cuidado com o assunto da próxima vez porque, se executarem Sakineh, a candidata não tinha “pé chato” e foi pro beleléu.

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