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Assassinato em primeiro grau

Assassinato em primeiro grau
(Murder in the first – 1995)

Lucas Andreucci da Veiga

Em meados da década de 1930, o presidiário Henry Young (Kevin Bacon) é recapturado em tentativa de evasão da famosa ilha-prisão de Alcatraz. Com a dupla finalidade de castigar o detento e de dissuadir o restante da população carcerária de práticas análogas, colocam-no na solitária, cela cujas condições são sub-humanas. Diversas infiltrações de água, ausência de luz natural ou artificial ou ainda de local adequado à feitura das necessidades biológicas compõem o cenário, não se esquecendo da obrigação de o condenado ficar completamente nu durante o castigo. O espaço tem dimensões mínimas, não ultrapassando os dois ou três metros. O detento permaneceria no lugar mais de um triênio, com alimentação parca, higiene inexistente e banho de sol de apenas meia hora ao ano, sendo a tortura – praticada com especial satisfação pelo diretor Milton Glenn (Gary Oldman) – companhia rotineira. Quando retirado daquele buraco, uma espécie de prisão dentro da própria instituição penitenciária, a mente de Henry Young já abandonara a sanidade. Por sugestão de companheiro de cárcere ou motivado por fantasia própria, em pleno refeitório no qual diariamente se alimentam centenas de outros condenados, o agora mentalmente perturbado prisioneiro, munido apenas de colher, investe contra o delator da frustrada fuga. Mata-o. Por tal conduta, passa a ser réu em procedimento criminal que irá culminar em seu julgamento por assassinato em primeiro grau (equivalente na legislação brasileira ao homicídio qualificado).

James Stamphill (Christian Slater), defensor novato, é posto como patrono de Henry Young. No convívio com o acusado, na tentativa inicialmente frustrada de com ele manter diálogo visando a composição da defesa, nota sequelas deixadas pela solitária e pelo tempo no condenado. Ao caso aparentemente perdido o advogado traz interpretação nova, chamando ao banco dos réus, na condição de autores do crime atribuído a Young, o diretor da prisão, o coordenador do sistema penitenciário local e a própria instituição de Alcatraz. Pela tese, a penitenciária e o tratamento recebido por Young enquanto lá segregado foram determinantes para os fatos que redundaram no assassinato. O próprio detento, num raro momento de lucidez, acabaria por afirmar que fora ele somente o instrumento, o meio, a arma com a qual se cometera o assassinato. Inspirado por fatos reais, o filme narra episódio em que, talvez pela primeira vez, o Estado e seus agentes são responsabilizados judicialmente pelo descumprimento do dever de tutelar pela saúde e higidez mental dos detentos sob guarda durante a reclusão.

Embora a narrativa aborde evento ocorrido nos Estados Unidos da América do Norte há quase um século, a realidade do sistema prisional ali e no mundo não mudou muito desde então. Exemplo disso é o Brasil, onde não é incomum a localização de cadeias superlotadas, centenas de homens amontoados em espaço no qual mal caberiam poucas dúzias, ou a utilização de contêineres como prisão (v. Colaborações: “Prisão em contêiner. Desrespeito escancarado à dignidade da pessoa humana. Concessão de HC com extensão a todos na mesma condição”). A busca por soluções para o problema é tímida. O CNJ tem avançado na questão, promovendo os mutirões carcerários com o intuito de fazer respeitar os direitos previstos na Lei de Execução Penal, além de vistoriar as unidades prisionais, interditando aquelas desprovidas de condições mínimas para abrigar um ser humano. Paralelamente, existem decisões, a exemplo de uma advinda do Rio Grande do Sul, colocando reclusos de determinada penitenciária – que exibia vários níveis de degradação – em regime de prisão domiciliar enquanto não providenciada a transferência para estabelecimento adequado. Há, ainda, precedentes conferindo custódia domiciliar àqueles que já tiveram o direito à progressão de regime concedido mas não executado, seja pela ausência de local adequado à transferência ou pela morosidade da justiça.

De outra parte, mesmo o motivo que levou ao encarceramento de Henry Young – o furto de apenas cinco dólares e com a intenção de usar o dinheiro para dar de comer à irmã mais nova –, ainda hoje pode resultar em prisão. Casos análogos, infelizmente, existem aos montes. Pessoas são detidas ao saírem de supermercados levando pacote de bolachas não pago ou pequenas outras coisas, irrelevantes ao patrimônio do furtado. Não se deve esquecer, no entanto, que juízes e Tribunais, ao menos no Brasil, vêm reconhecendo progressivamente, em tais hipóteses, a incidência do “crime de bagatela”, adotando o princípio da insignificância e da intervenção mínima do Estado e qualificando as condutas como de desnecessária tutela pelo Direito Penal. Neste ponto, congratule-se o Judiciário. Quanto ao desrespeito aos preceitos ínsitos à execução da pena e as condições apresentadas por estabelecimentos destinados a tal fim, outra alternativa não tem havido senão a censura.

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