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Considerações sobre o plágio (ou “Entre o tango e o samba de breque)

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Jornais de hoje, 17 de fevereiro de 2011, noticiam que um jurista, cujo nome não importa, teria plagiado trabalho doutrinário produzido por outro profissional do direito, vencendo, com isso, determinado concurso e recebendo um valor que, embora quase simbólico, prestigia bastante o galardoado. O assunto não é novo. Vez por outra pipoca aqui e ali uma notícia análoga, nunca uma acusação direta, diga-se de passagem, mas sempre uma divulgação produzindo resultados por via transversa. No âmbito da ciência jurídica o plágio acontece em livros versando o mesmo tema do original. Descobre-se a imitação bastante tempo depois, quer por divulgação de um mais agudo leitor, quer mesmo em razão de sublinhamento feito por um ou outro intérprete compulsivo, sabendo-se de criaturas que marcam os livros metodicamente, fiéis ao preceito de que obras escritas não sublinhadas são como mulheres nunca tocadas. Artificializam-se nas bibliotecas.

Eu mesmo tenho, em pessoas ligadas à minha estirpe, penalista que teve obra sua copiada em parte. A retorsão foi efetuada de forma muito discreta, pedindo-se apenas ao editor o recolhimento dos exemplares distribuídos. Não interessava ir adiante, divulgando-se acidamente o nome do copista.

A questão correspondente ao plágio, nas ciências jurídicas em geral e em outras áreas, como a música, por exemplo, é intricada. Lembro-me de um diálogo de Vinícius de Moraes e Tom Jobim, posto no entremeio de uma das canções que compunham. O “poetinha”, de repente, disse ao outro: “– Tonzinho, isso aqui não tá meio parecido com alguma coisa de Chopin?”. O outro o tranqüilizou, não parecia não. Eu mesmo me recordo de que quando compus “Las Locas de Plaza de Mayo” não percebi uma estranha coincidência com alguns compassos de “La cumparsita”. Em outro diapasão, é claro, mas parecido sim. Aquele tango famoso, ainda penetrando nas sombras dos palcos argentinos, tem os direitos do autor perdidos no tempo mas, eticamente, é preciso respeitar o defunto que compôs a minha portenha favorita (na verdade, houve um desacerto a respeito da letra).

Caracteristicamente, a área do direito posto conduz, sobre o tema, a reflexões muito estimulantes. Às vezes, um ou outro advogado mais dedicado cria uma tese qualquer sobre ponto controvertido e obtém, quiçá pela primeira vez, êxito na pretensão posta em petição dirigida ao Tribunal. Não é difícil a clonagem daquele texto, modificando-se apenas o nome das partes e efetuando-se pequenos ajustamentos oportunísticos. Sucede bastante no trato com o Judiciário. Não há quem pretenda a obtenção de direitos autorais sobre o escrito, havendo apenas irritação muito grande quando o clonado percebe o espelhamento.

Anos atrás, num conflito muito sério entre candidatos a uma das cátedras na vetusta faculdade de Direito do Largo de São Francisco, aconteceu uma ameaça de se apontar cópia servil de texto de doutrinador famoso. Aquilo deu em água de batata, pois os pretendentes se teriam ajustado. Há quem, a respeito, tenha arquivo implacável.

A disputa sobre a imitação ou não de escrito já posto no mundo jurídico deixa de existir se o plagiador coloca simples aspas no período suspeito, indicando o autor no rodapé. As aspas, então, são como as duas asas de um anjo salvador, protegendo aquele que copia. É muito simples. Certa vez, há quarenta anos, talvez mais, fiquei de cama, coisa nunca mais ocorrida, havendo um medo muito grande de outra oportunidade, pois para quem nunca esteve na horizontal por doença, a situação, se concretizada, seria muito grave. Daí, resolvi escrever um livro. Com se vê, não morri. Quarenta dias depois estava lépido de volta ao trabalho e com um manuscrito amarrotado na mão. Transformou-se em um livreto editado imprudentemente por empresa que hoje nem mais existe. Havia algumas bobagens no texto. Um jurista razoavelmente bem posto copiou aqueles parágrafos tortuosos que, mais tarde, foram até citados em um ou outro acórdão em reforço de posições dogmáticas. Acontece!

No fim de tudo, e nas outras ciências, o plágio pode levar a disputa séria pelo prêmio Nobel, principalmente quando um dos experimentadores copia fórmula obtida insidiosamente das algibeiras de outro. Nas questões de direito, diga-se de passagem, não há protocolamento possível no Instituto de Marcas e Patentes. Os direitos do autor, ressalvadas as petições, seguem a legislação atinente à espécie.

É triste, no fim das contas, a suspeita de se estar a copiar coisa escrita anteriormente por outro. O susto funciona mais ou menos como aquele de duas damas, com vestidos iguais, entrando no cabaré ao som da “cumparsita”. Já se percebe que não é tão simples assim a mistura de um tango do século XX com ensinamentos de direito penal. Dá samba.

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