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A interceptação telefônica e seus reflexos

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
A Interceptação telefônica e seus reflexos***

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Um dos maiores jornais da Grã-Bretanha, o “News of the World”, deixou de circular a partir do domingo passado, 10 de julho de 2011. A razão fundamental disso é a descoberta de centenas de interceptações telefônicas clandestinas, feitas pelo jornal, de políticos em geral e personalidades relevantes da comunidade londrina, sem exceção, quem sabe, da Casa Real. Os ingleses têm a confidencialidade em alto conceito, embora seu maior produto de exportação, além dos Beatles, seja o herói James Bond, autorizado a matar, o 007, beneficiando-se, a poder do criador Ian Fleming, de série grande de artefatos eletrônicos produzidos pelo setor “MI-16”. Fleming, romancista de segunda linha ao tempo, obteve sucesso repentinamente porque John Kennedy, a certa altura, declarou que as aventuras de Bond constituíam seu livro de cabeceira. Aqui do meu canto, autor de dois romances policiais que demoraram cinco ou seis anos a se esgotarem (“Caranguejo-rei” e “Dolores”), fiquei com inveja. Veio-me à memória, impactantemente, a vontade de que Lula me tivesse lido e divulgado a leitura, embora sabendo que o ex-presidente não é dado a tais coisas, preferindo ouvir e falar.

Vem tudo a propósito da espionagem consumada pelo órgão de imprensa mencionado, revelando-se no episódio o fato de que a interceptação, no mundo, virou lugar comum. Não se pense que o espiolhamento se limita a telefones. Vendo e ouvindo o jogo do Brasil contra o Paraguai, no penúltimo sábado, entristecendo-me com o empate mas tendo ciência de que os paraguaios procuravam desforrar-se da “Guerra do Chaco”, pude notar que os técnicos dos dois times (ou ao menos Mano Menezes), falavam com seus assistentes com a mão na boca, vedando leitura labial ou umas potentes maquininhas de captação ao longe. Tais instrumentos podem registrar sons a muitos e muitos metros de distância, sendo necessário impedir que hipotéticos inimigos antecipem movimentação tática em campo.

No fim das contas, o jornal praticava espionagem sobre muitos, mas alguns destes também se valiam da eletrônica para captar segredos dos opositores que, por sua vez, eram vigiados pela polícia e esta, de seu lado, não conseguia ocultar seus segredos. No Brasil é mais ou menos assim, com uma sutil diferença na comparação entre a imprensa nacional e a estrangeira. Aqui os jornais se valem de concessões feitas por autoridades menos ciosas de segredos processuais decretados, o que dá na mesma com menor esforço e menos risco. Os telefones passaram a ser instrumental de risco e mesmo a comunicação sigilosa via computador é feita de forma muito prudente. Curiosamente, o sistema oficial utiliza rotineiramente a interceptação, mas reage agressivamente quando o feitiço vira contra o feiticeiro.

Tive um amigo advogado, famoso até, que não usava computador e não tinha celular. Seu tempo era diferente do tempo dos outros, mais ou menos como aquele do caseiro do meu sítio de Ibiúna e dos possuidores de chácaras no local. Aquele homem curtido ia à cidade a pé em quarenta e cinco minutos. O patrão chegava ao centro em sete minutos. Entretanto, aquele lavrador punha no costado, com imensa facilidade, uma saca pesando sessenta quilos, fazia filhos, acarinhava os netos e dormia o sono dos justos, tudo sem telefone portátil e carros a motor. Num certo sentido, o dia do chacareiro era maior que o dia do patrão…

O diferenciado jornal britânico, no frigir dos ovos, não vai fazer falta alguma à Inglaterra. Essa questão correspondente à interceptação telefônica se resume na capacidade de previsão que o possível interceptado tem. É assim que funciona.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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