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Entre psiquiatras, bardos e menestréis

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Entre psiquiatras, bardos e menestréis***

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A história da cultura humana parece uma colcha de retalhos, entrecruzando-se muitas cores. Lá atrás, muito atrás, havia os velhos homens das tribos servindo de auxílio e encaminhamento do povo nas grandes crises. Aquilo tudo era muito esquisito porque, ao lado dos pajés, magos e feiticeiros em geral, havia uma ligação estreita com deuses, duendes, anjos bons e anjos maus. A humanidade, de resto, nunca se livrou deles, quer na arte de adivinhar o futuro, quer nas panaceias dos males presentes. Da história antiga à modernidade, é tudo como se fosse um novelo sem fim. Complicaram-se mais ainda as interações quando o ser humano começou a entender alguma coisa sobre o conjunto que alguns denominam corpo-alma. Das feiticeiras atiradas às chamas aos hospitais de alienados a distância foi grande. Já antes de Sigmund Freud havia dificuldade na interpretação da relação entre o normal e o extravagante. O genial semita, embora muito criticado hoje em dia, é figura universal. Não se sabe quem é mais citado, ele ou Edson Arantes do Nascimento, vulgo Pelé, embora o atleta do século só saiba usar os pés. Provavelmente, existe nisso uma questão hormonal. Na verdade, às vezes as sinapses resolvem problemas ideais ou mecânicos (dir-se-iam instintivos). Pelé nunca precisou pensar para chutar com a perna direita ou esquerda. Cuidar-se-ia, aqui, de instantânea transmissão eletroquímica entre alguns dos cem bilhões de neurônios que o ser humano tem na cabeça, mais precisamente no cérebro. Freud, ao contrário, teria buscado a inspiração lá atrás, na Antiguidade, sobretudo entre os gregos. Dali vieram o complexo de Édipo e o de Electra (isso lembra Vera Fischer em “Jocasta”, que pensamento esquisito). Agora, o próprio jardineiro da esquina já fala nas dificuldades que tem em administrar seu superego.

Freud, realmente, tem sido atacado por alguns setores da chamada psiquiatria ortodoxa. Independentemente disso, Sigmund é o homem do século XX, um grande fumador de charutos e, coincidentemente, morto depois de um câncer na mandíbula.

O ser humano, enquanto animal pensante, é estudado pelos cientistas, sim, mas vez por outra é produto de análise feita pelos bardos ou menestréis, mesmo em se deixando de lado os chamados grandes filósofos da modernidade (Espinosa, Schopenhauer, Kant, Foucault?). Tenho predileção, no Brasil, por Edu Lobo, Chico Buarque, Paulo Vanzolini, Fagner, Vinicius de Moraes (o grande Vinicius), Tom Jobim e até por Adoniran Barbosa. Eles cantam e escrevem, em linguagem gostosa, aquilo que os estudiosos da mente levam anos para urdir. Veja-se, na “Ciranda da Bailarina”, a análise perfeita da finitude do ser humano e da humilhação dos aspectos físicos da criatura: “Medo de subir, gente / Medo de cair, gente / Medo de vertigem / Quem não tem / Confessando bem / Todo mundo faz pecado / Logo assim que a missa termina / Todo mundo tem um primeiro namorado / Só a bailarina que não tem / Sujo atrás da orelha / Bigode de groselha / Calcinha um pouco velha / Ela não tem”. Ou então: “Sala sem mobília / Goteira na vasilha / Problema na família / Quem não tem / Procurando bem / Todo mundo tem…”.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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