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Juízes não brigam (Ou “Manda mais quem pode mais”)


Paulo Sérgio Leite Fernandes

A virada do século tem sido esquisita. Valores tradicionais, mantidos quase intangíveis até alguns anos atrás, são discutidos abertamente no bar da esquina, em sessões de sociedades filosóficas ou no “boudoir” das damas elegantes. Surgem novas seitas ou, melhor dizendo, religiões extravagantes. Pequenas garagens se transformam em templos. O Papa, diga-se, continua pontificando. Certa vez, precisando de uma beca nova, pois a outra já tinha furos de traça, quis mandar cortá-la na alfaiataria romana que, conforme se dizia, fazia as peliças do Sumo Pontífice. Não seria exatamente um “paletó de linho branco que, até o mês passado, lá no campo ainda era flor”. Era caro demais para um plebeu.

Na verdade, surge um tempo novo dedicado a gigantesca necessidade de equalização, ou seja, não há mais intangibilidade. Põem-se os deuses nus perante o populacho, numa espécie de nova Revolução Francesa despindo gulosamente Maria Antonieta na sacada principal do Palácio de Versailles (teria acontecido?). A seu lado, o rei está pelado. É isso, no fim das contas, uma imagem insinuante a se impor no chamado “inconsciente coletivo”. A principal geratriz é, sem dúvida alguma, a denominada “imprensa”, em quaisquer de suas projeções. Existe na mídia uma quase pornográfica incursão nas intimidades alheias, à maneira dos sequiosos frequentadores de filmes eróticos de baixa qualidade. Tudo vale tudo. Curiosamente, a conduta espiolhadora é autofágica. Enuncie-se, a título de exemplo, o que vem acontecendo à Argentina. Significativo órgão de divulgação, de nome Clarín, foi atingido na própria barriga (ventre seria mais elegante), quando “Diana”, a caçadora, mais conhecida como Cristina Kirchner, profundamente irritada, atacou as vísceras do jornal, sugando-lhes o papel, fenômeno rarissimamente acontecido no Brasil, sabendo-se que as impressoras funcionam num sistema muito delicado de maquinário e importação. Um espirro a mais pode açular a Receita Federal portenha…

Os escritos do cronista sempre começam aparentemente desorganizados. Mas não são, porque quando se fala em quebra de intimidades, agora no fim de 2011, aparecem, de um lado, a toga do juiz (a mesma sobrepeliz papal) e, de outra parte, um conserto de vontades no sentido de despelar o Sumo Pontífice. Que hipótese estranha. À frente, personagem repressora, surge a Corregedora Nacional da Magistratura Eliana Calmon, juíza antiga cujo nascedouro foi o Ministério Público Federal em Pernambuco. Tem suas razões. É figura assemelhada a um Catão feminino (avô ou neto, pouco importa). Num sentido bem jurídico, a corregedora parece ter ultrapassado os limites, porque enquanto pretendia investigar vencimentos sobrenadantes de magistrados, viu-se embrenhada num problema sofisticado: há pretores cuja situação atual se põe além do círculo possível de inquisição, proibindo-se, igualmente, a generalização. É assim. Acabou-se! Dentro do contexto, quando o Ministro Marco Aurélio assentou o óbvio, ou seja, que não se pode suprimir uma instância administrativo-disciplinar, anulando as funções primitivas do tribunal posto na berlinda, aquilo tudo explodiu. Na medida em que a Suprema Corte, hoje, é conjunto de seres diferenciados cujas qualidades e defeitos são expostos sem restrição qualquer, tudo fazendo parte do chamado processo democrático, há vantagens e prejuízos. Como o cronista afirmou acima, o rei e a rainha ficam nus. Paciência. Há alguns baús numa casa velha de Muzambinho, sul de Minas, onde meus ancestrais moraram muito tempo, que só foram abertos por poucos, porque mesmo para a censura o castigo viria com discrição, embora terrível nas consequências. A magistratura universal é assim. E assim deve ser, como acontece aos sacerdotes e até aos babalaôs. Quando mãe-de-santo imponente adoece, pondo-se eventualmente entre os caninos do doutor Alzheimer, é retirada de cena competentemente, descansando em paz. Exceções acontecem nos períodos ditos revolucionários, misturando-se então num mar de sangue. Desgraçadamente, aqui, numa ficção muito bem realizada, o episódio sanguinolento vai por conta da imprensa. No meio disso, a Corregedora Geral Eliana Calmon empreende batalha paroxística, ultrapassando paralelas. O litígio cresceu, levando-a a extremos. O Supremo Tribunal Federal, a seu turno, precisa fazer o mesmo, pois desafiado na soberania. Os jornais gozam, na mais fiel expressão da palavra.

Apenas para arredondar: procura-se, hoje, destruir a credibilidade do chamado “freudismo”. Em vocábulo bem simples, intenta-se a derruição do arauto da psicanálise. Freud tinha no gabinete um monte de estatuetas e totens. Faz-se contra o Poder Judiciário, no Brasil, uma atividade extravagante: procura-se matá-lo. Figurativamente, é o desmantelamento dos ícones, ou a morte do pai. Que maluquice!

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