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Tragédia no Rio de Janeiro (Ou “O edifício resolveu libertar-se”)

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Tragédia no Rio de Janeiro
(Ou “O edifício resolveu libertar-se”)***

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         Chega aos últimos capítulos, no Rio de Janeiro, tragédia correspondente ao desmoronamento acontecido logo ali, perto do Teatro Municipal, a partir do “Edifício Liberdade”. Evidentemente, não devem os advogados intrometer-se em problemas jurídicos interessando a outros profissionais, realçando-se aqueles eventualmente contratados pelas famílias das vítimas e outros que deverão acolitar eventuais indiciados. Resta dizer que há multiplicidade de lesados, uns mortos e alguns feridos, ligando-se todos, é claro, a danos materiais produzidos nos bens imóveis derruídos e naqueles móveis misturados nos restolhos jogados em lixão previamente escolhido pelo Poder Público. O aspecto criminal, aqui, assumirá caminho muito complicado. Há inquérito policial apto a, em tese, esclarecer pormenores da traumatizante queda do “Edifício Liberdade”, levando consigo duas edificações. Ações cíveis serão obviamente instauradas, escolhendo-se os réus aqui e ali, uns porque teriam, em tese, enfraquecido a estrutura do prédio estimulador do desastre enquanto operários faziam obras numa das unidades (fato discutível, mas aproveitável), outros que não teriam providenciado vistorias adequadas ou vigiado as condições estruturais do imóvel. Tocante à possível ação penal, é preciso notar, igualmente, a circunstância de existirem desaparecidos. A legislação é curiosamente objetiva a respeito da particularidade: não há quem morra, salvo exceções, sem o atestado de óbito respectivo. De outra parte, nascituro não registrado é uma coisa muito esquisita, até para o fim de reconhecimento da existência. São duas espécies de fantasmas. Existe, é claro, uma série de dispositivos permitindo ao juiz, em hipóteses análogas, optar pelo reconhecimento da morte, embora não havendo cadáver. É o que diz o artigo 7°, inciso I do Código Civil Brasileiro. É lembrar do famosíssimo processo envolvendo o chamado “Advogado do Diabo”, Leopoldo Heitor, acontecido também no Rio de Janeiro. Dana de Teffé teria sido morta por ele, mas o cadáver nunca foi encontrado. A ação penal, à época, despertou enorme interesse. Havia um repórter famoso, chamado David Nasser, escrevendo na revista “O Cruzeiro”, acompanhando o drama. A polícia, a certa altura, afirmou ter encontrado os restos mortais daquela mulher mas, no fim das contas, cuidava-se da ossada de um burro. Leopoldo Heitor foi absolvido em segundo julgamento. Tocante à competência penal, o drama carioca é muito sofisticado. Constitui um fator complicativo. Tudo depende de perícias, laudos de exame necroscópico, muitos ofendidos e a necessidade de estabelecimento de comunicação processual com os sobreviventes. Houve fato análogo em 1998, também no Rio de Janeiro, com o Palace II. Morreram oito pessoas. O conflito ainda não terminou. Parece que o incorporador também já se foi, por doença, velhice ou purgação de culpas. É assim que acontece.

         Vale dizer, ao fim, que poderia ter havido, quem sabe, a possibilidade de uma “crônica da tragédia anunciada” (Corruptela de título posto em livro de Garcia Márquez). Edifícios velhos podem desmoronar, assim como o ancião, tropeçando num calhau, pode morrer. Evandro Lins e Silva se foi assim. Ainda o choramos. Vale a comparação para dizer que estes e aqueles merecem cuidados especiais.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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