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Furtar desejos não é crime (Ou “Three coins in the fountain”)

Paulo Sérgio Leite Fernandes

     Certa vez, na Roma dos césares, soube que um garoto de rua esperto havia passado a peneira no fundo da “Fontana di Trevi”, furtando as moedas ali deixadas pelos turistas. Segundo praxe muito antiga, a pessoa virava de costas e atirava sucessivamente três dinheiros à fonte, manifestando igual número de desejos. O rapaz foi processado por furto e finalmente absolvido, porque as moedas constituíam coisa abandonada e, no fim das contas, furtar desejos não era crime. Estranhamente, lembrei do ditado hoje de manhã, ao tomar ciência de que uma pundonorosa senhora do Rio Grande do Sul, traída pelo marido, promovera uma ação de indenização por danos morais contra a amante, sendo vencida até no tribunal, pois a traidora não guardava relação alguma com dever de fidelidade, pondo-se estranha aos aspectos éticos do casamento. Ademais, adultério não constitui crime. Constituía. No começo da minha vida profissional, cinquenta anos atrás – faz sempre cinquenta anos –, fui convocado a autuar em flagrante, num hoteleco (naquele tempo não havia motéis), uma jovem que estaria a conspurcar o matrimônio. Aquela foi a primeira e última vez em que, na Justiça Penal, admiti tal atenção profissional. A moça, colhida impactantemente, viu-se desnorteada à presença do marido, do jovem advogado e da polícia. Agarrou-se ao causídico chorando e pediu pelo amor de Deus para não se prosseguir naquilo. A única solução possível foi a renúncia imediata e o convite ao cliente para buscar os honorários em devolução na manhã do dia seguinte. Andei alguns quarteirões até encontrar um táxi. Mas adultério constituía, sim, infração apurável segundo ação penal privada. Trago, a propósito, uma “chanchada” produzida pela “Atlântida”, no Rio de Janeiro. O sedutor, se a memória não falha, era Jece Valadão. A cena acontecia nos altos de uma padaria. Havia uma escada estreita dando acesso à sobreloja. O traído era o dono da casa de comércio. Vai daí, a polícia veio e foi buscar o traidor. Este, ao descer, torso enrolado numa toalha de banho, foi carregado nos ombros pelo populacho, entre aplausos (carioca é assim ainda hoje). O marido não se atreveu a descer.  Ficou lá em cima, provavelmente a exigir satisfações da consorte sem sorte.

       A notícia correspondente ao improvimento da ação de indenização movida pela Riograndense do Sul traz uma estatística: a Cidade Maravilhosa é recordista no assunto. Não se tem aferição em São Paulo, mas os paulistas são mais pundonorosos. O índice, provavelmente, é menor. De qualquer forma, não se brinque com o assunto. Às vezes acaba mal…

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