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Entre Dilma e Pilar

Paulo Sérgio Leite Fernandes

José Saramago, prêmio Nobel de literatura, começou a escrever publicamente aos sessenta anos. Morreu faz pouco tempo. Perdi a oportunidade de vê-lo quando esteve no Brasil. Se a memória não falha, fez palestra, numa das vezes, no ginásio do Colégio Santa Cruz, em São Paulo. Aliás, nem sei se conseguiria lugar na plateia, porque muita gente foi lá. Dele eu li quase tudo, mas prefiro “Memorial do Convento”. Aliás, mantenho um casal de cães. O macho se chama “Baltasar”. A fêmea é “Blimunda”. Já se percebe a dimensão da influência do grande escritor português nos meus pendores.

O assunto, entretanto, nem é o criador da “barca das vontades”, ou a excelência de “Blimunda” como pitonisa. Prefiro falar de Pilar, mulher de Saramago (os dois se casaram) e administradora da vida do marido. Pilar, ainda viva e muito, era jornalista. Conheceram-se enquanto a repórter preparava entrevista ou encontro com o autor de “Viagem do elefante”. Viajaram bastante pelo mundo. Saramago envelheceu, enfermou e morreu. Pilar, no meio tempo, se transformou em presidente da Fundação José Saramago, beneficiária de parte dos dinheiros hauridos pelo romancista. Morto o escriba, a esposa continuou a divulgação das obras. Entrevistaram-na a certa altura. Chamaram-na de “presidente”, referindo-se à Fundação. Pilar se irritou. “– Não sou presidente. Chamem-me ‘presidenta’. A palavra, segundo consta, não está no dicionário, mas vai constar, porque, por exemplo, eu sou uma ‘presidenta’”.

Há alguns dias, ouvindo a “Voz do Brasil”, capacitei-me de que o locutor usava o gênero feminino enquanto se referia a Dilma Rousseff. Documentos oficiais também grafam a expressão no feminino: “presidenta”. Há clara determinação de se inscrever tal vocábulo na usança popular. Pensei nisso ironicamente, não perdendo muito tempo no raciocínio. Se Pilar e Dilma quiserem intitular-se assim, não se há de enfrentá-las e às muitas “presidentas” desfilando pelo panorama político e científico da pátria. Veio-me à cabeça, apenas, uma confusa comparação sobre outras funções exercitadas por representantes do sexo feminino. Deveria haver, por exemplo, “pilotas” de caça, “generalas”, “majoras”, “cabas”, “capitãs” e “sargentas”. É muito complicado, mas será necessário, quem sabe, reestudar o léxico profundamente para uma opção possível.

O assunto, pela dimensão, acaba virando rotina. Pode estender-se o feminismo, inclusive, aos dez mandamentos, aqueles que Moisés trouxe consigo, numa pedra, à descida do Monte Sinai. Se a moda pega, averbar-se-á um 11° mandamento, sob a alegação de o decálogo ser supinamente machista, precisando adaptação aos tempos modernos. No “Antigo Testamento” há a proibição de “cobiçar a mulher do próximo” (9° mandamento). Acresça-se o 11°: “– Não cobiçar o marido da próxima”. Que maluquice!

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