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O trânsito paulista é homicida

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
O trânsito paulista é homicida***

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Há seis meses, ou mais, escrevi “Ponto Final” sob título “A armadilha dos semáforos paulistas” (clique aqui para reler o texto). Percebera que o tempo concedido em muitos faróis à passagem dos transeuntes havia sido encurtado, valendo o mesmo, evidentemente, para o tráfego dos veículos. Aquilo significava que o paulistano, com relevo para mães e seus carrinhos de bebês, vetustas senhoras, deficientes físicos e velhos em geral (pedindo-se perdão pela rudeza do termo), corriam muito sério risco de atropelamento, pois não se pode pedir velocidade a quem não tem possibilidade de movimentar as pernas com mais rapidez. Não houve quem ligasse para a particularidade, mas eu contava os segundos enquanto fazia as arriscadíssimas travessias.

Hoje, 16 de março de 2012, matutinos noticiam que as autoridades responsáveis pelo trânsito em São Paulo pretendem alargar o tempo referido, tornando mais confortável o caminho das faixas de pedestres. A expressão “confortável” é sofismática. Na verdade, aquilo é uma armadilha. O tempo de atravessamento das avenidas foi reduzido para que o trânsito fluísse mais rapidamente. Era isso. Morreu muita gente no meio do caminho, apressando-se, se assim pode se dizer com alguma ironia, a chegada dos anciãos a uma conversa séria com o Criador.

O cronista, às vezes, tem a sensação de se estar a transformar em um velho bruxo. Eventualmente, surge uma premonição e o feiticeiro diz: “– Vai acontecer”. Acontece. Sempre que há morte súbita ou lesões graves geradas no turbilhonante trânsito de São Paulo, vale a pena pensar nas criaturas que já se foram vitimadas por automóveis, caminhões e quejandos. O escriba rememora Barcelona e Gaudi, morto prosaicamente nas proximidades das maravilhosas obras deixadas ainda agora sem conclusão. Para não se dizer que não se falou de flores, leia-se o jornal “O Estado de São Paulo” de 16 de março de 2012. Há ali o elogio fúnebre a César Ades, psicólogo paulistano genial, apaixonado por bichos e obcecado na ensinança no sentido de que os animais, e mesmo os insetos, deviam ser entendidos como são, não se devendo tentar modificá-los. A autora do necrológio, aliás, acentua que aquele eminente cientista, risonho, pretendia demonstrar que as próprias aranhas podiam ser de certa forma educadas. O morto, com certeza, mereceria viver muito, cuidando-se de uma saudável e entusiástica criatura. De qualquer forma, se e quando o cronista estivesse certo na previsão – e estava –, os técnicos teriam criado uma arapuca destinada a ceifar umas e outras vidas, numa culpa quase consciente, arrependendo-se depois.

 

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e dois anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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