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Bento XVI vai embora pra casa

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Bento XVI vai embora pra casa***

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Assisti a um filme, há muitos anos, tendo Anthony Quinn como personagem central. Ele fazia muito bem um papa que pretendia estar perto do povo. Saía de madrugada numa porta secreta do Vaticano e confraternizava, no escuro da noite, com quantos estivessem presentes, disfarçado, é claro, mas fazendo como fez Jesus Cristo, nos bons tempos das catacumbas. Veio-me a história à lembrança na quarta-feira de cinzas, 13 de fevereiro de 2013. Enquanto se esvaem as sombras deixadas pelo carnaval, bêbados e drogados se arrastam pelas esquinas, embalados por marchas tristes postas no mundo pelos poetas. As cinzas da quarta-feira servem de pano de fundo à notícia da renúncia de Bento XVI, aos oitenta e cinco anos, sem que se saiba exatamente a razão do abandono do compromisso vitalício com Deus. Parece que em seiscentos anos é o primeiro pontífice a ir embora vivo. Costumam morrer no posto.

Há indiscrições na imprensa. Em princípio, o Pontífice está cansado, doente e desgastado por conflitos internos a desmerecerem sua autoridade. Já seria o bastante para um forcejamento no sentido de escolha de outro chefe da Igreja, precedida daquela fumaceira posta no céu a deslumbrar milhares de fiéis.

Dir-se-ia que Deus preside o conclave. O ser humano é místico desde que se conhece como tal. Já adorou o sol, a lua e as estrelas. Atribuiu tempestades às divindades. Correu de um lado a outro entre o bem e o mal, ajoelhando-se a alguns e abjurando ícones diversos. No fim das contas, os católicos apostólicos romanos representam pequena porção daquelas religiões que hoje dominam o sobrenatural. Dentro de tal contexto, Bento resolveu descansar. Irritou-se, além da doença, com as intrigas dos corredores. Tem bem presente a relembrança do passado. Oito papas, no mínimo, foram assassinados no entreato. João Paulo II foi baleado por Mehmet Ali Ağca. O assassino cumpriu pena e, segundo consta, teria recebido a bênção papal. Lá é assim, não muito diferente do que acontece em outros Estados. Bento XVI, conforme o noticiário, vai morar num castelo situado em vilarejo contendo cerca de nove mil almas. Os corredores do Vaticano devem estar formigando com os passos curtos dos futricadores. Funciona assim, no meio das rezas e pedidos de proteção. Espera-se que Deus proveja, apontando o caminho certo e pacificando as intrigas de ocasião. No fim de tudo, um novo pontífice será ungido, vestindo a rica sobrepeliz feita sob medida na alfaiataria que já serviu a muitos, ali nas redonduras ou cercanias do Vaticano. Fazem-se, naquela estilosa casa de modas, a batina do padre, as sobrecasacas dos cardeais e algumas becas de advogado. O preposto de Deus na Terra precisa vestir bem. O pescador maior não pode estar andrajoso. Há de lavar os pés de alguém, na hora e dia certos, mas o paciente chegará banhado e, quem sabe, com as unhas feitas. Cristo reina e Deus, no fim das contas, vigia o todo.

* Advogado criminalista em São Paulo há mais de cinquenta e dois anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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