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Queda de braço entre juízes e a imprensa

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Queda de braço entre juízes e a imprensa***

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A Associação de Magistrados do Estado de São Paulo divulgou nota reclamando contra profuso noticiário, posto na imprensa falada e escrita, tendente a reduzir a credibilidade do Poder Judiciário, na medida em que a censura a comportamentos da Instituição, como tal, vai transformando o juiz em homem comum, perdendo-se o misticismo próprio à toga. Na verdade, estimulada a chamada “transparência”, a consequência estava prevista há muito tempo. Certas profissões precisam ter, de uma forma qualquer, uma aura de proteção e até de mistério, pois assim é desde o tempo em que o homem primitivo escolheu o primeiro pajé, aquela criatura que usava o bastão, ou até o tacape, fazendo prevalecer seu aconselhamento e sua vontade, ou pelo respeito ou pelo poder. É assim, até entre os animais ditos irracionais, funcionando assemelhadamente nos canis, no covil dos lobos e na toca dos leões. Dentro do contexto, o bicho se destaca pela liderança natural, pela força ou por não haver quem o substitua. Fala-se hoje em animal “alfa”, ou seja, aquele que conduz a manada, galopando, até a beira do precipício, levando com ele o grupo inteiro. Na raça dita superior, evidentemente, há exceções, justificando-se então as revoluções, a insurreição em geral e até mesmo a destruição de um povo, para refazimento posterior. Dizem os zoólogos que isso acontece, também, até entre as ratazanas. Dentro do contexto, não há novidade quando jornais ou empresas de comercialização da imagem se dedicam a vituperar a centrifugação da chamada autoridade liderante. É uma espécie de “morte do pai”. Outro dia, vi um repeteco do filme “Titanic”, com Di Caprio e uma moça linda que, hoje, deve ser uma senhora rotunda, pois não a achei mais em películas posteriores. Quem souber que informe. A certa altura, alguém, durante refeição sofisticada no salão de jantar daquele enorme hotel flutuante, diz: “– O doutor Freud explica”. Valha a digressão, portanto, para acentuar que o gênio vienense ainda explica muita coisa, embora passeando sobre as nuvens geradoras do Estado de Israel. Volte-se ao texto. Começa-se a falar da imprensa, passa-se aos juízes, visitam-se as cavernas dos lobos, dá-se um pequeno passeio na escuridão da morada dos ratos grandes e, por fim, parece que o texto é desarrazoado. Não é não. Há, desfechada pelos órgãos de comunicação em geral, uma campanha metódica no sentido de derruição dos mitos, nestes incluídos juízes de pequeno, médio e grande porte, sem exceção da Suprema Corte. Na verdade, nunca se viu, na história do Poder Judiciário pátrio, tanto esforço para desamarrar os cordões das togas protetivas da Magistratura nacional. Uma parte da responsabilidade deve ser debitada ao chamado fenômeno da transparência, uma espécie de fagocitose, ou de autofagia, havendo nisso, quem sabe, vinculação qualquer com Masoch ou, mais precisamente, Leopold Ritter Von Sacher-Masoch. O remanescente assume característica extremamente curiosa, pois sempre há, nessa turbada relação de amor-ódio, alguém, ou alguns, guardando ciosamente o poder de império. Refiro-me, outra vez, à imprensa em geral. Esta, no frigir dos ovos, perdeu em certa parte a medida de pressupostos éticos – e até políticos – norteadores da espécie. Há exemplos cuja originalidade nem pode ser assegurada: a) – Alguém atira pela janela de um apartamento posto nas alturas o corpo de uma criança. Todos os jornais certificam o fato continuamente. Vem a advertência no sentido de que a desenfreada publicidade produzirá consequências múltiplas. Não há quem ligue. Acontece outra vez, e outra vez. b) – A Polícia assevera que o assaltado não deve reagir, entregando docilmente seus pertences aos ladrões. O cidadão obedece. E morre, mesmo assim. O noticiário subsequente gera na cidadania, então, um outro conceito. Se o não reagente é morto, é preferível morrer reagindo. Inicia-se, então, uma outra saga, noticiando-se vários episódios em que a vítima reagiu e partiu. c) – Uma modesta dentista é queimada por um tresloucado, dentro do consultório. Aquilo virou manchete. Os bandidos gostaram. Agora, a queimação faz parte do costume. Tais acontecimentos, divulgados em caixa alta, poderiam, quiçá, ser produto de burrice. Não, são de certa forma o resultado de um componente sádico que muito jornalista tem ou, talvez, da necessidade de vender jornal, porque 95% do noticiário, todas as manhãs, vêm misturados em sangue fresco.

Afunilando a crônica para o imprescindível fim, é bom dizer que a associação de juízes tem razão em reclamar, valendo um comentário adicional: os magistrados dizem o direito. Um pretor, num Estado do sul do país, foi ofendido moralmente numa publicação qualquer. A indenização veio pesada, diferente, é claro, daquela a ser deferida eventualmente a um carroceiro de esquina, cuja dor moral deve ser menor mas, com ou sem transparência, guardem-se os ofensores. A toga, a beca e a bata, mais a batina, são como a roupagem e os colares dos velhos feiticeiros. A maldição vem e, quando vier, há lá em cima o reduto maior dos anciãos. Quando eles dizem, está dito. Punam-se, pois, os maledicentes.

* Advogado criminalista em São Paulo há mais de cinquenta e dois anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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