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Grandeza do Brasil

Roberto Mangabeira Unger

De repente , o Brasil se levantará. A ascensão do Brasil não passará por ódios e guerras, nem se fundará sobre novidades deslumbrantes na maneira de organizar a sociedade. As novidades -instituições diferentes- virão, porém só depois. Será um milagre de iniciativas óbvias e singelas, por falta das quais uma vitalidade desmedida não conseguia, até então, ser fecunda.
Juntando homens e mulheres que não confundem o realismo com a rendição, o Brasil reinventará o desenvolvimento no ato de retomá-lo. Democratizará o mercado, descentralizando o acesso aos recursos da produção. Com isso, dará oportunidade aos dois terços da população adulta que hoje tentam sobreviver na economia informal.
O Brasil rejeitará a escolha entre um Estado que pouco faz pela produção e um Estado que, em nome da produção, distribui favores entre apaniguados. Governos e empresas trabalharão juntos, sem favorecimentos, para identificar o que falta. Em vez de impor uma única estratégia de cima, deixarão que muitas estratégias convivam. Não teremos medo de crescer, porque teremos aprendido a diminuir nossa dependência de importações e dinheiro de fora, sem nos fechar ao mundo.
A chegada do Brasil ao concerto das grandes nações forçará a substituição de um consenso autoritário por uma diversidade libertadora. Acercando-nos de outros grandes países, como a China e a Índia, e desenvolvendo com os Estados Unidos uma relação não desnorteada pelo medo, trabalharemos por uma ordem mundial que ajude os países a manter e construir, por rumos próprios, civilizações diferentes.
Nossos impostos, ainda altos, deixarão de onerar a produção. Nossas poupanças serão organizadas para servir aos produtores e para nos dar os meios de nos integrar no mundo sem deixar de desbravar nosso caminho.
Haverá ordem no Brasil. Os criminosos, sejam brancos ricos ou pretos pobres, cumprirão penas mais longas em prisões humanizadas.
Neste ambiente ordeiro, nossa obsessão nacional será consolidar um ensino público que capacite os brasileiros e aproveite seus talentos. E que prepare uma sociedade sem classes.
Entre nossas crianças pobres e morenas, serão revelados gênios, até aquele dia ocultos e mudos, que acordarão a humanidade do torpor do desencanto. Imaginando o possível, nossos pensadores compreenderão melhor o existente. Nossos artistas criarão uma arte visionária, que nos abrirá os olhos para a magia do mundo. Continuaremos tão tortos quanto éramos antes. Entretanto, menos temerosos de tornar o Brasil brasileiro e menos dispostos a tolerar as injustiças que nos dividem e abatem, seremos mais fortes. E, por isso, mais magnânimos. Não mais teremos de escolher entre a decência e a doçura.
O engrandecimento do Brasil soará, em todos os recantos da terra, como o grito de uma criança ao nascer, prometendo novo começo para o mundo. Presos em seus afazeres, tentando esquecer que morrerão, homens e mulheres pararão, por um instante, perturbados por uma esperança inesperada. Ouvirão neste grito a profecia do casamento da grandeza com o amor.

* Contribuição de Roberto Delmanto (Texto originalmente publicado na Folha de S. Paulo em 20 de março de 2001)

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