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O crime de corrupção e a tatuagem no peito de Milady de Winter

Paulo Sérgio Leite Fernandes

         Não se complique o direito penal. Este deve ser, em tese, uma espécie de imitação da vida, porque descreve e pune fatos considerados perigosos à convivência. O processo penal, de seu lado, sofistica as antigas regras impostas às batalhas travadas na liça pelos cavaleiros dedicados a provar a razão de cada pendão. O vencedor estaria representando a vontade de Deus.

A captação de condutas nos códigos penais atende a critérios de necessidade ou de oportunidade, valendo dizer que o Brasil de hoje dedica especial atenção, nas casas legislativas, à criminalidade decorrente de ofensas ao patrimônio público, nisto despontando as chamadas infrações tributárias e aquelas outras agredindo os dinheiros entesourados ou a serem guardados nos cofres estatais. Elas são havidas como justificativa de comportamento hediondo. Pretende-se, já em relação aos delitos de corrupção, transformá-los em hipóteses revestidas de hediondez. Além disso, alternativas outras postas no plano geral da conduta criminosa mereceram, a partir de época recente, tratamento severíssimo. Cuida-se, aqui, de aquinhoamento doméstico de fenômenos concretizados em várias partes do mundo, fincados quem sabe, como ponto principal de apoio, na explosão das torres gêmeas nos Estados Unidos da América do Norte. Aquele ato de terrorismo, embora não tendo relação direta com a chamada delinquência rotineira, gerou reações estatais múltiplas, acentuando-se então a investigação, a metodologia mais sofisticada e uma resposta genérica dos agentes da lei a título de vendetta. É preciso notar que as infrações contra o patrimônio, carregando acentuado índice de violência, medraram virulentamente no país, provocando autêntica caça às bruxas advinda dos segmentos adstritos a tal tipo de combate, com métodos também muito agressivos. Esclareça-se que o Estado, enquanto reagindo, passou a usar, analogamente, maneirismos ilícitos, consistentes em artifícios cuja legitimidade estava e está longe de ser admitida. Em outros termos, o mocinho e o meliante se equipararam nos comportamentos anormais.

Tocante à legislação vinda a lume em consonância com ditas atividades repressivas, fala-se no surgimento de figuras típicas pretendendo agasalhar a denominada vontade popular. Exemplo marcante das normas censórias referidas é constituído por novas formas de tipificação do estupro. Atos constitutivos, quem sabe, de mera importunação, ganharam força delitiva assustadora. Suavize-se a exemplificação. Há na cinemateca internacional filme personificado por Henry Fonda, Charles Bronson e Jason Robards, além de Claudia Cardinale, episódio passado no velho oeste norte-americano. Existe uma cena em que, em sequência, Jason, fazendo um misto de herói/vilão, enche a mão no traseiro da Cardinale, um tapão até afetuoso. Ela reage com um “ops!”. Diz Robards, em seguida: “– Quando isso acontecer, faça de conta que não sucedeu nada, porque eles gostam”. Referia-se aos trabalhadores de uma construção de estrada de ferro que, sedentos, estavam a receber canecas de água fornecidas pela heroína. Aquilo, hoje, daria cadeia brava, porque mesmo uma brincadeira do estilo seria atividade prevista na legislação nova como estupro. Parta-se para a acentuação do castigo aos crimes de corrupção, a caminho da classificação como hediondos, assemelhando-se então, em gravidade, às variadas formas de tortura. A desonestidade de agentes do Poder Público e a sedutora atividade de quem pretenda corrompê-los existe a partir das épocas primevas da humanidade, animando-se alguns a afirmar que mesmo entre os ditos ancestrais dos homens, os macacos, um ou outro oferecia ou pedia um cacho de bananas para alguma atividade irregular dentro do grupo, valendo aquilo até para a obtenção dos favores sexuais de fêmea acasalada com terceiro. A corrupção, portanto, está intimamente ligada à história e desenvolvimento da raça humana. Falando-se no Brasil, é bom notar que as “Filipinas” previam penas pecuniárias ou patrimoniais sérias para corruptores e corruptos, sem exceção do degredo para a África, circunstância a significar sério risco de vida. Relembre-se, apenas para suavizar o texto, um dos maiores legados literários deixados à língua portuguesa, acentuando-se que Luís de Camões não teria sido muito honesto nas lidaduras com as coisas da Coroa. Como sempre, havia mulher nas cogitações do vate português (v. Natércia).

Fique-se por aqui: não se sabe se os parlamentares, juízes e quejandos estão sendo mais severos por convicção no sentido de ser a repressão uma forma de se reduzir a criminalidade, ou medo do populacho. O temor, sabe-se bem, gerou grandes mudanças no trato dos problemas sociais, embora não adiantando grande coisa, porque cabeças e mais cabeças continuarão rolando, sem resultados palpáveis no correr do tempo. Se a acentuação da reprimenda, entretanto, for o resultado de opção outra, consistente na convicção de ser imprescindível uma resposta à altura da gravidade do delito, tal atitude não levará à redução da criminalidade especial sob questão. Os homicídios, sem exceção dos países em que a pena de morte é consequência da ocisão dolosa da vida humana, nem por isso caíram estatisticamente. Mais importante que tudo, parece, seria a efetividade da punição, repousando a mesma no bolso do infrator, à moda, mesmo, das Ordenações. Aliás, isso já se faz no Brasil há muito tempo, desgraçando-se o patrimônio dos meros suspeitos com autêntico salgamento do solo. A atividade sobre o patrimônio dos acusados não impede o grupamento de continuar no comportamento a ser castigado.

Transformar-se a corrupção ativa e passiva em crime equiparado aos hediondos não impressiona os candidatos à delinquência. Talvez o retorno às penas corporais deformantes fosse uma solução para aqueles legisladores que estão a demonstrar, para o povo em geral e juristas em particular, acentuada vocação de remoralização do país. Assim, os tipos legais penais atinentes aos corruptos ativos e passivos seriam punidos, quando integrados, com variadas sanções: a) – mutilação do naso; b) – seccionamento da língua; c) – amputação da mão direita, se o suspeito for tenista e destro, optando-se pela esquerda na hipótese de usar a sinistra; d) – dilapidação dos pés, se e quando se cuidar de um jogador de futebol, ou até de um ciclista (há milhares em São Paulo). Valeria, aí, não só o decepamento dos membros e sentido referidos, mas a exposição pública do terror imposto ao delinquente. Tocante às mulheres, é lembrar “Os três mosqueteiros”. Houve uma personagem, Milady de Winter, que teve a flor-de-lis tatuada no peito a ferro quente. Pensem nisso, também, os juízes. Seria, talvez, solução razoável. Quem se anima a tanto?

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