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O aparte

Roberto Delmanto

 Esta estória é do tempo em que talão de cheques chamava-se livro de cheques.

Um rico industrial, de cinquenta e poucos anos, apaixonara-se perdidamente por uma jovem de grande beleza, mas inescrupulosa, cujo irmão era um conhecido estelionatário.

Ambos exploraram-no ao máximo, dele auferindo infindáveis vantagens econômicas, sob os mais variados pretextos.

Quando o industrial se deu conta da exploração e resolveu parar de dar dinheiro aos dois, a amante com ele rompeu.

Desesperado, tentou em vão se reconciliar com ela.

Certa tarde foi aguardá-la, armado de um revólver, nas proximidades do cabeleireiro que a amante frequentava. Quando ela saía, atirou, mas o disparo, ao invés de atingi-la, feriu mortalmente um guarda-civil que por ali passava.

Procurado para defendê-lo, meu pai Dante desde logo orientou-o a indenizar a família do policial, dando à viúva uma casa e aos filhos um salário mínimo até que atingissem a maioridade. Em virtude deste gesto, ela deixou de contratar um advogado para funcionar como Assistente do Ministério Público, embora a corporação do marido lhe tivesse oferecido…

A  ex-amante, ao contrário, contratou para auxiliar da acusação um outro grande criminalista da época, certamente com o dinheiro que recebera do acusado.

No júri, o Assistente, orador eloquente, disse a certa altura: “No meu tempo de jovem, quando um homem ia encontrar-se com a sua amada, levava-lhe um buquê de flores, um vidro de perfume, um livro de poesias…”; e, apontando para o acusado, acrescentou com voz sonora: “Este, senhores jurados, levava uma arma”.

Nessa altura, meu pai deu-lhe um aparte histórico: “É engano de Vossa Excelência, meu cliente levava um livro…”; e após, uma pausa, arrematou: “um livro de cheques, que era do que a sua cliente mais gostava”…

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