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Prisão cautelar e condução coercitiva

 

Paulo Sérgio Leite Fernandes

A revista eletrônica “Consultor Jurídico” traz, seguidamente, contribuições excelentes à ciência jurídica. Assim, vale a pena acompanhamento diário dos artigos e comentários postos naquele portal. Vez por outra, “este site” transcreve uns e outros que mais impressionam o cronista. Chamou a atenção, com certeza, artigo escrito por Alexandre Moraes da Rosa, não só pela precisão com que examina aspectos teleológicos sofisticados da prisão cautelar, mas porque as considerações provêm de um Juiz de Direito, com pós-graduação, lecionando, aliás, em Universidade Federal de Santa Catarina. Na verdade, é muito raro magistrado encorajar-se a penetrar nas minúcias de comportamentos censórios emanados da Jurisdição. Tais iniciativas assumem relevo maior quando assumidas no entremeio de problemas jurídico-penais gerados num conturbado ambiente sócio-político-econômico, do qual é exemplo maior a atividade repressiva exercitada por outro magistrado sulista, de nome Sérgio Moro.

Sob a denominação “Você sabe qual o efeito placebo da prisão cautelar irrestrita”, o pretor Alexandre Moraes da Rosa acentua que a “função da prisão cautelar é deslocada de sua previsão inicial – garantia do processo – para se transformar em aparência de segurança publica, aproveitando-se da anemia semântica de ordem publica”. Adiante, acentua: “boa parte das prisões cautelares pode ser chamada de efeito placebo”. O juiz explica metaforicamente: Certo médico, não dispondo de morfina para aplacar as dores de feridos, injetou-lhes solução salina, sugerindo tratar-se do medicamento referido. Aquilo reduziu o sofrimento dos doentes. Seria, então, uma consequência “placebo”.

Reduzindo-se o raciocínio a expressão mais simples, quis aquele judicante asseverar que as prisões cautelares – e nestas as conduções coercitivas – “enganam a cidadania, dando ao povo a sensação de que a segurança pública é aumentada”. Tal sensação, por via travessa, aumenta a imposição desse tipo de restrição à liberdade. E vai por aí.

As considerações feitas pelo pretor Alexandre Moraes da Rosa pousam na dialética processual penal como grão de arroz dentro de um trigal. Há vários motivos para a quase solidão: a) – Existe ligação estreita entre a denominada persecução jurisdicional moralizadora e o embate, certamente desigual, entre os defensores da Presidente da República e aqueles que pretendem desalojá-la. b) – O esforço de desequilibrar o Poder Executivo Federal é hoje compulsivo, para não se dizer psicótico, pois todos os segmentos potencializados exercem, na tentativa de derruição, a plenitude das armas disponíveis (legais ou não), sabendo-se que a disputa é dramaticamente extremada. c) – Do conflito, o próprio Supremo Tribunal Federal não se livra facilmente, pois os juízes daquela Corte, certamente envolvidos, vêem reduzida, em alguma dimensão, a capacidade de manutenção do segredo quanto a uma ou outra tendência. Dentro do contexto, há disputas cada vez mais acirradas, envolvendo-se nisso, por se tratar de parte principal, o Congresso Nacional.

Lá atrás, na Corte Suprema da República, despontou o juiz Joaquim Barbosa, menos equilibrado – ninguém o nega -, sendo vestindo-se com a toga de herói nacional. Sugeriu-se inclusive, fosse candidato, mais tarde, a Presidente da República. Aquele Ministro se inscreveu na Ordem dos Advogados. Tratou-nos mal enquanto em exercício. Não o vetamos.

No fim das contas, outro magistrado, Sérgio Moro, assume a função de supervisor – mor da moralidade da República. Exercita o varredouro sobre todas as hipóteses de comportamentos infracionais ligados direta ou indiretamente a uma corrupção longeva. Obteve, a poder de atividade sistemática, a plenitude da repressão, ganhando, enquanto valorizando interceptações telefônicas abusivas e delações premiadas obtidas com a manutenção de prisões provisórias contínuas, pedaço grande de recomposição provisória da avaliação da honestidade pública. Tem-se, agora, chegança daquelas condutas repressoras a destino dificilmente estancável. Em outros termos, usam-se as conquistas de forma a amedrontar possíveis adversários, transformando-se o julgador em ginete sem freios. Decreta, inclusive, conduções coercitivas de investigados, suspeitos ou indiciados domiciliados e residentes em outros Estados da Federação. Antes muito discreto, o juiz participa de congressos e faz palestras. Contém-se, mas não tanto. Tem eventuais olheiros nos patamares superiores da Jurisdição, mas a tarefa de contenção é extremamente delicada, pois aquele detentor da toga carrega consigo a energia da grande maioria dos burgueses pátrios. Curiosamente, a relação do Juiz Moro com os órgãos superiores da Justiça é, hoje, um quase direto viaduto, ligando o primeiro grau e o Supremo Tribunal Federal, porque há envolvimento de personagens com foro privilegiado. Resulta disso, em sentido metafórico, um cinturamento assemelhado à relação pai-filho, com características peculiares, porque os gestores são muito prudentes no castigamento das traquinagens do rebento. Em outros termos, deixaram ir longe demais. Agora é difícil voltar, porque o petiz tem o carinho de quase toda comunidade. A chamada relação processual, no fim das contas, constitui repetição de todas as refregas postas no mundo animal: ação, reação, desfecho, vitória, destruição. Entre os humanos, há o chamado pressuposto ético a nortear a perseguição do bom contra o mau, não se sabendo bem qual dos dois lados detém melhor qualificação. Há, de qualquer forma, uma capacitação do perseguidor a pleitear a condição de portador da verdade. Não fosse assim, os conflitos se materializariam em torno de pura e simples voluntariedade, desprovendo-se os litigantes das premissas do bem e do mal. Aqui, o juiz é o anjo vingador, reaproximando da comunidade os requisitos básicos respeitantes a princípios éticos universalmente pregados. Dentro de tal contexto, o fiscal da seriedade das condutas é o juiz. Este pode errar, sim, mas seu erro só se transformará em tal se sua decisão for definitivamente infirmada em órbita superior. Nisso as coisas se complicam, pois o hábito, a rotina, o costume, o laceamento da vigilância, o receio, enfim, dão ao magistrado largueza muito grande na repressão encetada, levando-se em consideração, também, a existência de órgãos a lhe prestarem auxílio e solidariedade. Esses conglomerados terminam levando o executor a caminhos absolutamente singulares, porque não se lhe opõem obstáculos à finalidade pretendida. Transforma-se de arbítrio em discricionariedade. Em outros termos, em linguagem singela, o pretor começa a fazer o que quiser, quando o quiser e da forma que entender adequada, confiante no engordamento de potencialidade recebida da conjunção social.

Ver-se-á aonde consegue o homem ir, ou seja, qual a dimensão final da conduta Jurisdicional em desenvolvimento. Surgem, aqui e ali, vozes a censurar o desenrolar das perseguições, porque a legislação atinente às chamadas prisões processuais (ditas cautelares ou temporárias) têm sido aviltada, vilipendiada, agredida, deformada, desvitalizada, sem impedimentos maiores. Diga-se o mesmo tocante a um dos mais vergonhosos expedientes copiados pelos brasileiros de legislações estrangeiras (a delação premiada), a mesma em núpcias com a interceptação telefônica e ambiental, transformando-se os executores em vigias concupiscentes. Tem-se, então, tudo embrulhado um pacote repulsivo, um conjunto de medidas havidas pela população em geral, como restaurador da moralidade do trato com a coisa pública. Em síntese, os pretensos arcanjos do bem vestem trajes disfarçando atividades que desmerecem as posturas da eticidade. Dir-se-á que não se pode combater o mal a não ser com dose igual de malignidade. É possível que assim seja. Em suma, o antídoto contém dose assemelhada de veneno.

Parta-se para conclusão provisória. Embora singela, traz a repetição de quase todos os acontecimentos assemelhados perpassados pela humanidade: o herói de ontem vira o tirano do amanhã. O príncipe engalanado se transforma em ditador no futuro entrante. O justo ultrapassa limites e pratica comportamentos censuráveis, simplesmente por não ter quem o retenha. Aquela mesma caminhada endireitando o trilhar dos outros começa a ferir demais, a machucar aqui e ali, indistintamente. Demora muito tempo até que o equilíbrio entre o bem e o mal se refaça. Para as duas partes, é óbvio. Se assim não for, mocinho e bandido acabam de braços dados, cada qual com seu pedaço de maldade. É isso.

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