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V. Nova Lei de Falências – Vetos – Efeito retroativo se derrubados? - Luiz Antonio Sampaio Gouveia e Maria Edith Camargo Ramos Salgretti.

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Vetos à nova Lei de Falências terão efeitos retroativos se derrubados?

 

 

2 de fevereiro de 2021, 19h16
Por Luiz Antonio Sampaio Gouveia e Maria Edith Camargo Ramos Salgretti

O presidente Jair Bolsonaro, em 24 de dezembro passado, sancionou e promulgou a Lei nº 14.112, que altera dispositivos da Lei de Falências e de Recuperação Judicial (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005). Entre outros pontos, essa lei (14.112/20) permite ao empresário melhores condições para operacionalização de sua recuperação judicial, incentivando financiamentos de terceiros para as sociedades empresárias, na fase em que elas estejam se recuperando, e disciplina o parcelamento de dívidas tributárias delas, de índole federal,  prevendo ainda a apresentação de plano de recuperação judicial pelos credores, inviabilizado aquele apresentado pela recuperanda, primeiramente, e regrando a falência e a recuperação transnacionais.

O presidente vetou, contudo, importantes ajustes para o processo falimentar e recuperacional de empresas, advindos do Congresso e contributivos com a livre negociação de acervos empresariais das sociedades recuperandas e das falidas, necessários à recuperação das primeiras e à liquidação ótima das segundas, o que vem preocupando os que atuam em prol da preservação e bom funcionamento da economia brasileira, por via da recuperação de empresas economicamente viáveis e necessárias ao desenvolvimento e à preservação de empregos nacionais.

Questão que preocupa os advogados e demais operadores jurídicos e administrativos da área de falências e de recuperações judiciais é se, caso os vetos sejam derrubados pelo Congresso, as disposições anteriormente vetadas terão validade e eficácia. Sem dúvida que no processo legislativo constitucional, em atenção ao princípio da separação dos poderes, como no sistema de freios e contrapesos, que equilibra a República, o presidente tem o poder de sanção, promulgação e veto dos projetos legislativos emanados do Congresso Nacional, e se a Presidência sanciona e promulga uma lei e a veta no todo ou em parte, a palavra final, quanto ao que foi vetado, para viger ou não no ordenamento jurídico, estará com o Poder Legislativo, que pode acatar ou rejeitar o veto do Executivo nos termos do artigo 66 da Constituição da República Federativa do Brasil, e quando há veto parcial o processo legislativo é desmembrado. A parte não vetada e, pois, sancionada e promulgada pelo presidente, segue para publicação, após o que ela ganha eficácia, consumando o processo de feitura da lei quanto ao publicado, ao passo que a parte vetada retorna ao Congresso Nacional para nova apreciação pelos parlamentares.

Há entendimento doutrinário de que o decreto do Legislativo que derruba o veto e vem a inserir os dispositivos dele antes vetados no ordenamento jurídico corporificará uma nova lei, depois de promulgada/publicada, e, nesse sentido, constitucionalmente, não teria efeito retroativo para viger desde o mesmo dia 21 de janeiro de 2021 em que a Lei 14.112/20, entrou em vigor. O que seria um prejuízo para o sistema de recuperação de empresas e preservação de acervos de empresas falidas, notadamente em vista da protelação de importantes tópicos dela, que, não sendo possíveis de se concretizarem desde 21 de janeiro, terão desnaturado o espírito da lei.

A preocupação dos operadores do Direito da área é justificada ao avaliar se os dispositivos vetados, quando em vigor, poderão ter efeito retroativo, já que beneficiam e favorecem a continuidade da empresa recuperanda ou a melhor liquidação da falida, também porque o Congresso Nacional somente retomou os seus trabalhos nesta segunda-feira (1º/2) e a se ter que o prazo para o Congresso votar esses vetos é de 30 dias, derrubando-os ou não. Vindo, ademais, após essa votação, a transcorrerem os prazos para promulgação e publicação dos vetos derrubados, que aumentarão certamente o período de ineficácia dos dispositivos por ele vetados em face das disposições constitucionais. Por tudo isso, aumentando a intranquilidade que aflige os jurisdicionados e os operadores do Direito.

É que a função social das empresas constitui a ratio essendi da Lei de Falências, à luz da Constituição da República Federativa do Brasil, cuja mens legis não nos leva a outra saída que não seja a retroatividade legal, para que sejam aplicadas retroativamente as novas disposições da Lei de Falência e de Recuperação Judicial cujos vetos vierem a ser derrubados, para entrar em pleno vigor.

espírito da lei falimentar nos leva a um único caminho, a buscar no princípio da lex mitior, que ora se empresta do Direito Penal para garantir isonomia dos jurisdicionados e os ditames do artigo 47 da Lei de Falências e Recuperação Judicial, principalmente enquanto vetor dos direitos sociais e trabalhistas, da erradicação da pobreza, da continuidade de prestações de serviços e para o fornecimento de produtos necessários à economia e em prol do desenvolvimento brasileiro, ainda aprimorando a tão necessária e justa e equânime distribuição de riquezas, para estimular a atividade econômica empresarial, assegurando empregos e riquezas à sociedade como um todo.

mens legis é irretorquível e revela a importância social e econômica das empresas se recuperarem: “Artigo 47  A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Assim, devem ser aplicados retroativamente os dispositivos vetados pela Presidência da República, se o Congresso Nacional cassar os vetos que os inibem de viger, já que auxiliam a recuperação de empresas viáveis e a boa liquidação das falidas, a resultar em benefício da própria sociedade, porque a atividade econômica empresarial tem função social relevante e vetorial, notadamente por ser fonte de empregos, além de adequar os fatores de produção para criação ou circulação de bens e serviços, em benefício coletivo.

Destarte e em consonância com o artigo 47 da Lei de Falências, podemos destacar o próprio preâmbulo de nossa Constituição da República Federativa do Brasil: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça (…)”.

Sendo fundamento da República, conforme artigo 1º, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o que se frisa, igualmente, no artigo 6º nela constituído e que trata dos direitos sociais e no artigo 170 dessa carta, a enfocar a ordem econômica e financeira, com especial atenção para seu artigo 193, que dispõe sobre o primado do trabalho, em nossa ordem social, objetivando bem-estar e justiça social para todos.

Logo, o ponto de partida e o ponto final de todo e qualquer dispositivo legal atinente a temas de recuperação judicial e falência deve ser, sempre e impreterivelmente, a ótima preservação da atividade empresarial e da função social da empresa, enquanto nortes principiológicos da ordem econômica constitucional.

Por derradeiro, uma forma segura garantir a vigência dos dispositivos vetados de forma retroativa, se suprimidos pelas Câmaras Legislativas, em prol do Direito Empresarial moderno e constitucional, será, mais uma vez, a jurisprudência que vai garantir e assegurar a concretização dos valores constitucionais fundantes da ordem econômica brasileira. Como no passado já se decidiu no STF que os dispositivos vetados, derrubados os vetos pelo Congresso Nacional, vigem a partir da mesma data em que passou a viger a lei, em cujo texto eles foram lançados pelo presidente da República.

A própria occasio legis, que consiste nas circunstâncias do momento da entrada em vigor da lei, deve ser considerada, haja vista que, no atual contexto caótico de pandemia, em uma das maiores crises econômicas, sociais e humanas que o mundo e notadamente o Brasil vivem, dispositivos que beneficiem a atividade econômica empresarial, especialmente de empresas que estão tentando se recuperar e sejam essenciais à regularidade de seus mercados, são cruciais e devem, sim, ter efeito retroativo, se aprovados pelo Poder Legislativo, em consequência da supressão de vetos presidenciais, para garantir e preservar a ordem econômica constitucional e, conseguintemente, a dignidade da pessoa humana, em senso individual, coletivo e social, portanto.

Luiz Antonio Sampaio Gouveia é advogado, sócio de Sampaio Gouveia Advogados Associados, conselheiro do IASP e do Con-sea/FIESP, mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, especialista em Administração Contábil e Financeira pela Escola de Administração de Empresas da FGV, especialista em Direito Penal Econômico pela GVlaw e ex-conselheiro da OAB-SP e da AASP.

Maria Edith Camargo Ramos Salgretti é advogada, sócia da Sampaio Gouveia Advogados Associados, pós-graduada em Direito Penal Eco-nômico pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra e especialista em Direito Penal e Processual Penal pelas Faculdades Metropolitanas Unidas.

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