A Respeito do panorama nacional 

Ou 

Micelle vem aí

Micelle
Meu novo romance

          O escriba acordou, hoje, com uma sensação mais extravagante que a dos outros dias. Precisava paramentar-se para assistir a uma audiência presencial (em termos). Em outras palavras, alguns juristas em casa, outros nos respectivos locais de trabalho, testemunhas ouvidas por precatória não se sabe onde e a jurisdição perplexa, porque alguém afirmara que se a vítima não fosse deveria ser conduzida coercitivamente.  Este antigo criminalista estava em trajes noturnos (expressão elegante para definir pijama). Pôs-se a tomar o café da manhã. Colocaram-lhe o “Estadão” ao lado (a “Folha” vem também, mas depois). Na cabeça deste criminalista, chegou a esperança de que houvesse uma notícia boa. De repente, não se sabe se neste ou no exemplar de ontem, veio a notícia se está a oferecer contra o Procurador-Geral da República uma notitia criminis, porque o eminentíssimo primeiro acusador do país se omite em processar o Presidente. O velho advogado Paulo Sérgio teve despertadas as sinapses, há muito adormecidas, responsáveis pelos estudos de Direito: como o portador-mor do azorrague nacional pode ser sujeito passivo de pedido a chicoteamento público? E o escrevinhador lembrou, imediatamente, dos doutores do templo chicoteados por Jesus Cristo. Quem seria, agora, o autor de tal audácia?

          Páginas outras do matutino traziam previsões ruins sobre o futuro da nação, havendo, quiçá, alguma particularidade curiosa correspondendo a uma tentativa de acertamento ideológico entre um pai e uma filha que é drag queen. A inflação comendo, breve consideração sobre possível aproximação entre o Ministro Presidente da Suprema Corte e um parlamentar posto na presidência de grande Casa Legislativa do país, ponteando na cabeça do escriba, por força da atração, uma recepção amistosa do Vice-Presidente da República na residência do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o Ministro Barroso, que, aqui entre nós, tem a simpatia plena deste vetusto flibusteiro da advocacia especializada.

          O escriba terminou o café, banhou-se, colocou um traje de cerimônia (paletó e gravata), mais de ano após a pandemia, tentando encolher a barriga para caber dentro. Coube, sinal de que não precisou, nestes mais de doze meses de sacrifício, fazer regime para manter a forma. Aguardou o motorista (não guia mais, a carta expirou), veio ao escritório (nunca trabalhou em casa), mantém a máscara sobre o nariz (perdeu os assistentes) ressalvado dedicadíssimo advogado chamado Josimar Vargas, penalizado com a situação do velho marinheiro. Concentrou-se e ditou curtas linhas, realçando que não dedilha o computador faz tempo, pois sua linguagem sempre foi a verbal. Em seguida, deixa instruções de emergência e parte para o Fórum Criminal, na Barra Funda, numa audiência presencial, certamente extravagante.

          É isso. Não mais. A anomalia do fenômeno está, exatamente, na inversão dos momentos instrutórios: o hábito é o ficamento em casa, tentando-se participar de procedimentos penais (ou cíveis) enquanto, ao lado e à frente do escritório, pedreiros e auxiliares outros capricham na destruição e reconstrução de residências muito bem postas, sinal evidente de que nem tudo está perdido. Difícil, muito difícil mesmo, a concentração intelectual sincopada nos marteletes mecânicos ladrando nas cercanias, mas não há alternativa a não ser o recurso a uma lan house, com todo mundo vendo o perpassar de uma instrução criminal que em si é recoberta de sigilo.

          Este escrevente continua lendo muito. É o que lhe resta, no momento terrível atravessado pelo país. Examina, agora, livro de Vargas Llosa (Tiempos Recios). É um título muito adequado às características brasileiras modernas. Dia desses, leu García Marquez, O amor nos tempos do cólera. Tudo dá na mesma. O remédio é ajeitar o laço da gravata, dar um bom apertamentos nos sapatos, esticar um pouco os suspensórios, empunhar a bengala preferida, da qual não precisa, mas gosta da mesma, e partir para a luta. Pretende, com isso, aos 85 anos, dar uma certa dose de exemplo aos quatrocentos e poucos mil advogados de São Paulo, ponteando entre um milhão que o Brasil tem, nestes compreendidas as eminentíssimas advogadas que temos na nação, capacitando-os de que é preciso resistir, sim, participando ativamente do que vem acontecendo, tudo na tentativa de colocar um pouco de ordem na casa.

          Falando-se em ordem, o escriba lamenta os acidentes de percurso na OAB paulista. Ela é, e sempre foi, a eleita dos nossos amores. Cumpre-nos defendê-la com muita dedicação e vontade, protegendo-a contra as intempéries do tempo presente. E la nave va.

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