Um crocodilo é um réptil.

Ou

Um cavalo é um mamífero herbívoro.

Ou, por fim,

Quem alimentou os terroristas precisa pagar.

 

*Consta que Bolsonaro se internou hoje, 9, em hospital, na Flórida, com dores abdominais. Com ou sem razão, faz parte.

Alligatoridae

 

Equus caballus

 

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Paulo Sérgio Leite Fernandes

                  Este velho escriba, a exemplo da maior parte da brasilidade pensante, dormiu tarde de ontem para hoje, acompanhando as depredações do Supremo Tribunal Federal, Palácio do Planalto, Câmara e Senado Federal. Espetáculo dantesco, não é preciso dizer mais, porque as imagens são elucidativas, doendo muito, é claro, as perfurações feitas em obra clássica deixada por Di Cavalcanti, inclusive, num ou noutro daqueles edifícios cujas galerias são decantadas no mundo inteiro. No entremeio daquilo tudo, o velho criminalista, pressionando nervosamente as mãos, conteve a respiração enquanto a chamada Polícia de Choque do Distrito Federal e Cavalaria iam empurrando o povão pelas avenidas, uns corcéis lindos, lindos mesmo, num resfolego obediente, irmanados em linha, sugerindo à multidão um combate sanguinolento, se houvesse resistência. Este Paulo Sérgio, em épocas remotas, já viu montaria e cavaleiro assemelhados. Estava com Dyonne, num relvado reservado a exercícios. Permitiu-se ao escriba afagar o costado do animal. Voltava, o bicho, de uma sessão de adestramento. Não me lembro se era macho ou fêmea, não lhe disseram, ou esqueceu, mas reagiu ao carinhoso toque de mãos. O corpo tremeu um pouco, havia um mormaço de sudorese suavizando o couro muito liso e, a bem-dizer, quase perfumado.

 

         Devo ter, nos meus guardados que são muitos, a fotografia da cena nunca esquecida. Cavalo e cavaleiro faziam um bloco só, o primeiro quase imóvel, o segundo pateando a grama, uma docilidade enganadora, porque obtida pelo salto das botas que, conforme o escriba observou ao tempo, não tinham esporas. Um espetáculo a não ser olvidado. Numa destas manhãs, havendo vagar, acho aquilo no meu arquivo, onde tenho, certifico, outra fotografia, formando grupo, eu, Dyonne, as crianças, exibindo-se ao fundo o logotipo da OAB/SP. Uma analogia extravagante, é certo, mas o cérebro humano, maravilhosamente, põe traço de união entre o passado e o futuro, misturando o todo. Lá, o escriba tinha seus cinquenta e poucos anos, aqui é quase um nonagenário, mas no entremeio conservando a lembrança do que se foi. Relembra que somos uns oitocentos mil estupefatos com o que aconteceu, e necessitando, evidentemente de uma firmíssima liderança na atividade que deve ser plúrima de se procurar o responsável-mór. Entenda-se bem, este criminalista murmurou, nas entrelinhas, ser sobrevivente de um tempo que não é mais o seu, circunstância a não o impedir de pensar, argumentar, discordar até, mas usando, se forças físicas não mais tem, aqueles meandros ainda presentes no um quilo de cérebro contido no crânio malformado. O Paulo Sérgio é dos mais antigos, mantendo, segundo crê, uma sorte qualquer de lucidez. Viu o espetáculo de domingo, sentiu na pele o medo, perpassado no Brasil inteiro, de que aquilo desaguasse numa tragédia, quase ouviu – já ouvira antes – a respiração ousada daqueles animais muito potentes, os cavalariços usando, talvez, sabres não cortantes, mas igualmente mortíferos, de repente muita gente ia morrer, e morreria se preciso fosse, mesmo porque o Ministro Alexandre de Moraes, que tem defeitos, é claro – todos os têm -, oferece qualidades supinas para ir adiante no mandamento, se imprescindível fosse. Deu no que deu. Milagreiramente não houve mortes. Biden critica nosso Brasil. Acolá morreram uns vinte. Aquela turba de invasores não era ideóloga, consistindo em receptora de uma ou outra baixa remuneração contratada por terceiros. O obsessivo aloucado vai ao cabo (Veja-se “La Folla Criminosa”), não estanca, mata ou morre. Assim, prepostos ou mandatários dos brasileiros escondidos na neblina da opção pela violência, destruíram patrimônio, violentaram o passado do país, dançaram um bailado morfético nas augustas edificações invadidas, mas tiveram de volta a antecipada sensação do pontaço frio a lhes perfurar as vísceras. Contrariamente àquilo que sucedeu nos Estados Unidos da América do Norte, não houve mortes, houve prisões, mas os mandantes estão atrás das janelas, quem sabe, morando na mesma nação a lhes servir de inspiração, respeitadas as diferenças. Dentro do contexto, pague quem precisar pagar, numa investigação rápida, severa e plena, não interrompendo o fluxo aqui e ali. Consta que uns mil e duzentos partícipes são perquiridos, entre reclusos e convocados à polícia. Existe igualmente, transparentemente, conivência no vagar com que uns e outros apreciaram os sinais claros do turbilhonamento prévio. A OAB Federal emitiu condenação àqueles atos pérfidos de terrorismo, cumprindo, aliás, obrigação sua. Isso não basta. São Paulo tem 251 Subseções, cobrindo o Estado inteiro. Uns quatrocentos e poucos mil profissionais intelectualizados e convergentes na preocupação dos familiares. No resto do país, atingimos oitocentos mil, por aí. Devem, crê o escriba, prestar muita atenção ao futuro próximo.  Nós somos parte do povo, é óbvio, com umas obrigações acrescidas. Ver-se-á.

Colaborou: Sergio Weslei da Cunha

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