Começaria tudo outra vez

ou

Relembrando Luiz Gonzaga

De vez em quando, nós todos – e todas – dormimos ou acordamos românticos, quiçá nostálgicos. Hoje é um desses dias, notando-se que o jornal da manhã recomeça a ser atirado à porta da casa, fazendo um barulhinho a ser ouvido pelo madrugador. São 06 horas. O Paulo Sérgio tem uma pianola eletrônica na sala, fone de ouvido ligado para abafamento do som e não irritação de um vizinho menos sonhador com as coisas boas da vida. Daí, o Leite Fernandes abre o jornal – não digo qual é, pois mandei um artigo pra lá, faz tempo, sem publicação. Numa das páginas, uma foto de Diogo Vilela, fantasiado de Cauby Peixoto e falando sobre espetáculo a ser produzido por ai, ele Vilela usando traje que lhe foi presenteado pelo próprio Cauby, com peruca e tudo. “Começaria outra vez é música de Luiz Gonzaga”. No fim das contas, a notícia vinda naquele diário matinal é uma espécie de entrevista em que Vilela diz os motivos da produção do espetáculo, porque Cauby Peixoto foi e é um grande intérprete da música nacional. Melhor que isso, a letra daquela canção é profundamente ligada àqueles que amadureceram ou envelheceram o suficiente para valorizar a benesse da manutenção em vida, retardando-se a arte de partir.

 

Tais reflexões vieram neste velho praticante da advocacia criminal, agora, após a curta viagem feita ao escritório, sempre conduzido pelo fidelíssimo Cícero, porque o Leite Fernandes se distrai muito enquanto guia, entrando por atalhos menos conhecidos. O que diz a letra, no principal? “- E então eu cantaria a noite inteira como eu já cantei, cantarei as coisas todas que já tive, tenho e sei que um dia terei. A fé no que virá de alegria de poder olhar pra trás e ver que voltaria com você”. Depois: “- Ao som desse bolero, vida, vamos nós e não estamos sós, veja meu bem, a orquestra nos espera. Por favor! Mais uma vez, recomeçar”.

 

  Falei no Cícero, lembrei de Cauby Peixoto, recordei a letra da canção e agora, sentando à mesa de trabalho, termino com um pedaço da conversa entre o passageiro e o motorista Cícero: “- Você é uma criatura beneficiada por Deus. O Leite Fernandes sempre diz, mas tertúlias, que o ser humano precisa ter três dons exponenciais, ou seja, dinheiro, saúde e mulher. Na verdade, a melhor benesse advinda à criatura é a saúde, porque com ela você pode desfrutar das outras duas. Perdendo-a, o futuro se esvai nas sombras da imaginação.

 

“Começaria tudo outra vez”, é um jargão posto à frente de quem já entrou faz muito no terceiro terço de uma vida profícua. Sem arrependimentos, ou falsas acusações a terceiros, apenas a intenção de reentrar na estrada anquilosada hoje pelos entulhos vistos aqui e ali nas esquinas da existência. No fim das contas, recomeçamos tudo outra vez num país levado nas ranhuras do entremeio, tudo misturado nos anseios em alerta, no passado muito maior que o tempo remanescente e na esperança de que tudo vai melhorar. Já dizia isso o Luiz Gonzaga, já cantava assim o Cauby Peixoto, já o diz Diogo Vilela e, no fim das contas, já trauteia o Leite Fernandes, no teclado do piano onipresente. E la Nave Va.

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