Apedrejamento de Mulheres no Irã
* Paulo Sérgio Leite Fernandes
Apedrejamento de Mulheres no Irã
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Surge na imprensa do mundo inteiro a notícia de se preparar, no Irã, a lapidação de Sakineh Mohammadi Ashtiani, acusada de praticar adultério com dois homens. A traição conjugal, sabe-se bem, é crime gravíssimo naquele rincão. Aplica-se aquela pena a homens também, mas os traidores são enterrados até a cintura, deixando-se as mãos livres para se defenderem, circunstância a revelar terrível desigualdade, porque as infiéis ficam expostas sem a mínima possibilidade de contensão das pedras atiradas pelo populacho. Machismo sem par, até na tortura. Quanto aos projéteis, são preparados em tamanho adequado à produção de ferimentos, mas não à morte imediata, pois as vítimas devem sofrer bastante, indo embora a poder da multiplicidade das lesões.
Ergueram-se vozes no mundo inteiro, reclamando contra a barbárie. A notícia chegou à imprensa por meio de Mehrangiz Kar, advogada da desgraçada e, por sua vez, também perseguida pelo regime, porque fugiu para os Estados Unidos da América do Norte.
Custa muito acreditar que o século XXI abrigue ainda procedimentos no estilo indicado. Entretanto, aquele pedaço do mundo é assim, não só ele, mas outros segmentos igualmente muito estranhos. Ainda há, entenda-se, lugares em que é servida carne de cães e gatos. Aliás, os jornais, há não muito tempo, noticiaram a existência de restaurante, em São Paulo, devotado a servir tais iguarias.
O adultério, no Brasil, já constituiu infração penal. O cronista se recorda de grande pecado profissional que cometeu na mocidade. Já faz cinquenta anos (sempre faz cinquenta anos). O moço criminalista havia sido contratado para prender e autuar em flagrante uma adúltera. O marido, compulsivamente, queria pegá-la durante a consumação daquela atividade espúria. Deu certo. Foi num hoteleco de beira de estrada (naquele tempo não havia motéis). O traído pagava bem. Fomos lá e pegamos o casal, a bem-dizer, com a “boca na botija”. Eis senão quando a moça, enrolada na colcha, desatou a chorar, ajoelhou-se e, mãos postas, implorou que a deixássemos sair. O parceiro, acabrunhado, não sabia o que fazer enquanto contido, em plena nudez, pelos policiais que nos acompanhavam. O cronista chamou o cliente de lado e lhe pediu, também, que deixasse pra lá. Foi inútil. Não restou ao jovem advogado outra alternativa: secamente, disse ao marido escarmentado que passasse no escritório, dia seguinte, para receber os honorários em devolução. Nunca mais aceitou caso igual ou semelhante, tratando as consultas, em geral, com muito respeito e aconselhamento.
Não sei por qual razão o escrito caminhou para assunto tão delicado. Talvez, inconscientemente, haja ligação com a tentativa de proibição, na França, ao uso da “burka”. Para quem não sabe – e poucos não o sabem –, burka é o véu a cobrir completamente o rosto e o corpo das mulheres islamitas. Algumas, em Paris e quejandos, têm o costume citado. Alega-se, na pátria da Declaração Universal dos Direitos do Homem (e da mulher, certamente), que a utilização do vestuário descrito feriria a igualdade entre todas. Felizmente isso não acontece ao Brasil. Nossa liberalidade, provavelmente, provinha das silvícolas do Amazonas. Tomavam banho de rio nuas. À chegança dos “mateiros”, não se vestiam: simplesmente cobriam o rosto com as mãos, ocultando a personalidade, ou identificação.
Já se vê a existência de relacionamento entre a “burka”, a lapidação e o adultério. O Direito Penal brasileiro exorcizou a punição das e dos adúlteros; as mulheres, aqui, vestem o que quiserem, sem peias, exceção feita à preservação da moral e dos bons costumes, embora nossos universitários ainda não se tenham acostumado à amostragem comprida das pernas (v. Geisy). Por último, a nova lei do divórcio permite a separação na madrugada do dia seguinte à assinatura do contrato de casamento, significando que o casório já não tem aquele sentido de perenidade (e muito menos de novidade), valendo a experiência anterior no “ficamento”. Tudo muito simples mas difícil de digerir à análise dos antigos. No fim, vale tudo, desde que ninguém saiba, sem “burkas”, lapidações ou “até que morte nos separe”… eis aí. O caminho é bom. Vale aos jovens como experiência.
*Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos