O amianto mata
* Paulo Sérgio Leite Fernandes
O amianto mata
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Assisti ontem, 20 de Julho de 2010, a um filme chamado “Conduta de Risco”, com o ator de nome George Clooney, aquele mesmo endeusado por grande parte das mulheres, constando que o gajo é bonito, é a história de um advogado empregado em grande firma de advocacia. O escritório está defendendo empresa acusada de produzir herbicidas que contêm substâncias cancerígenas. Vai daí, George termina melando um acordo que salvaria, inclusive, a empresa advocatícia da bancarrota. A razão: um colega seu, cheio de pruridos, tinha pena das vítimas daquele veneno e fora assassinado.
O cronista, hoje de manhã, deu continuidade à associação de idéias, pois leu no jornal uma nota humilde comentando a existência de “pool” de empresas, gastando aproximadamente cem milhões de dólares no mundo inteiro, protegendo a produção, industrialização e venda de asbesto ou amianto. Para quem não sabe, o amianto é utilizado em três mil ou mais produtos industriais, destacando-se telhas, pastilhas e lonas para freios de automóveis e caminhões. O Brasil produz, em media, duzentas e cinquenta mil toneladas de amianto por ano. Pressões diversas vêm reduzindo a tonelagem, levando as indústrias à exportação de cerca de sessenta por cento, destinando-se o montante à América latina. Indiscutivelmente o amianto produz câncer. Fibras da substância, inaladas em fragmentos microscópicos, podem gerar o mesotelioma e a asbestose, entre outras doenças. Não se consegue banir o asbesto da produção nacional, seja para consumo interno ou mesmo para exportação. Mais de cinquenta nações no mundo restringem sua ultilizasão ou a proíbem.
Para quem não sabe, asbesto ou amianto é constituído por fibras de sais minerais metamórficos utilizáveis em muitos produtos comerciais. Tem resistência química, térmica e elétrica muito elevadas. Aquelas fibras se multiplicam em partículas microscópicas que, quando aspiradas, produzem, a médio ou longo prazo, a morte do trabalhador ou de pessoas que lidam indiretamente com o material.
O asbesto não é substância única a envenenar as criaturas, é claro. Eu mesmo, muitos anos atrás, aprendi a trabalhar o marfim e o osso, fazendo umas pequenas esculturas sedutoras, à maneira daquelas estatuetas chinesas localizáveis nos antiquários. Aprendi a arte em Maceió, havendo em uma outra esquina, naquele tempo, artesãos que trabalhavam o “ossobuco” (o mesmo da sopa). Aquele aprendizado foi cercado de alternativas hilariantes, porque minha mulher Dyonne ia ao açougue da esquina de dois em dois dias e comprava alguns quilos de ossobuco (canela de boi). O açougueiro achava aquilo muito esquisito, porque pensava que era para alimento de uma comunidade inteira.
Conto a historia com um objetivo: o de demonstrar que o trabalho em marfim e osso, mediante o uso de abrasivos, produz a exudação de uma poeira muito perigosa com efeitos análogos aos do asbesto. Parei a tempo, embora usando máscara. Aliás, conta-se que um grande pintor brasileiro, Portinari, autor inclusive de obras deixadas na “Pampulha” em Belo Horizonte, morreu envenenado pelo alvaiade que usava em seus quadros.
A diferença entre um trabalhador de indústria afetado pelo amianto e o artista envenenado pelo alvaiade ou pó de marfim é crucial: os dois morrem.Todos morrem, mas um deles se vai apoteoticamente, inumado sob o hino nacional.O outro – o trabalhador – às vezes cai na contramão, atrapalhando o tráfego (Chico Buarque).
* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos