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O uso de algemas e os presos eletrônicos

* Paulo Sérgio Leite Fernandes

O uso de algemas
e
os presos eletrônicos

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Noticia-se a tramitação de conjunto de providências adequadas à implantação, no país, do chamado bracelete eletrônico. Para quem não sabe – e não há quem desconheça –, a ideia é aquela de se colocar, no pulso ou na canela do condenado merecedor do regime semiaberto, uma pulseira (ou tornozeleira?) contendo chip que delimita, fiscaliza e avisa qual espaço territorial está sendo usado pelo portador cuja movimentação tiver sido disciplinada pelas autoridades encarregadas da execução penal. O assunto, no Brasil, é relativamente novo (lei 12.258/2010) mas constitui imitação de providência já implantada em países outros. Evidentemente, somos do 3° mundo, mas precisamos acompanhar as modernidades, esperando-se que isso não aconteça à pena de morte que, aliás, já é defendida por um ou outro parlamentar brasileiro mais ligado à intimidação dos delinquentes. Há gosto para tudo. Assim, as denominadas “algemas eletrônicas” podem encontrar, em primeiro plano, entusiastas do sistema e, de outro lado, condenados que as queiram utilizar, na medida em que, parece, a concretização do sistema dependerá da aquiescência do sujeito passivo.

Há, certamente, quem defenda o produto novo. Na medida em que o ser humano nasce, vive e morre dentro da contradição, existem premissas conflitantes sobre as vantagens e defeitos dos ditos instrumentos disciplinadores do caminho dos usuários. Respeitando ao tema, é bom fixar que os “algemados” ou “tornozelados”(?) já teriam direito ao regime semiaberto, circunstância a implicar, se e quando concretizado o processo eletrônico, numa sorte qualquer de retrocesso porque, nas circunstâncias vigentes, o condenado não dorme no presídio, pois não há cadeião que chegue para abrigar os notívagos. De outra parte, o sistema de execução em curso é absurdamente confuso, porque, não havendo vaga para o regime semiaberto, muitas decisões vêm afirmando que o condenado deve estar preso até então, o que caracteriza extremo constrangimento ilegal à liberdade de ir e vir.

Independentemente de uma série de consequências indiretas da implantação de braceletes de tal jaez, consta que o custo da providência, em princípio, atingiria cento e poucos milhões de reais, acentuando-se a necessidade de licitação adequada, não se podendo esquecer que a espécie de contingentes usados, provavelmente interligados a satélites, exige especialização que talvez torne impossível a competição, à maneira do denominado “guardião”, computador que, como se sabe, fiscaliza e é capaz de disciplinar segredos, concomitantemente, de quatrocentos mil brasileiros. Perceba-se, então, que o país caminha celeremente para o espiolhamento das intimidades por meio das descobertas hauridas no Vale do Silício: os Tribunais estão a dispensar o papel, a Internet se incumbe da maior parte dos atos de ligação entre os seres humanos, o Estado censor especializa a vigilância sobre a privacidade do cidadão, intrometendo-se, inclusive, nos segredos dos confessionários profissionais, os presídios de segurança máxima são assepticamente construídos e mantidos, vigiando-se o preso nas vinte e quatro horas do dia e da noite, as câmeras captam todas as esquinas e todos os atalhos da cidade grande e das estradas de rodagem, a floresta amazônica tem suas árvores seculares permeadas pelo foco dos satélites divididos com os bisbilhoteiros americanos do norte e, na condição de insignificante projeção, os condenados recebem implantes localizadores da sua andadura, isto no cinema, num banheiro ou na cama, sendo necessário, exclusivamente para abrandar um pouco a crônica, saber se o prisioneiro deve ou não pedir autorização ao juiz para tomar seu banho diário, frequentar uma piscina ou molhar o corpo no mar, pois aquele bracelete – ou aquela tornozeleira – não pode perder o contato físico com o felizardo. Qualquer abandono tornaria inútil o instrumental. Em outros termos, o condenado, dispensando eventualmente o objeto, poderia ir à farra deixando-o sob o travesseiro.

A concessão do regime semiaberto, nos termos vertentes, é reciprocidade de compromisso ético entre o apenado e as autoridades. Cuida-se, assim, de demonstração de confiança, diferentemente da prisão em domicílio, porque, nesta, o condenado, bebericando vinho estrangeiro na piscina ou tomando cachaça no quintal, é um preso mantido em situação peculiar.

Respeitem-se vozes bem direcionadas aplaudindo a pulseira eletrônica, mas tal inovação não nos deve servir. Trata-se de uma dinheirama extravagante destinada a ser absorvida, diga-se de passagem, por aqueles que já têm a possibilidade de uma dose razoável de liberdade. O capital pode, com muito melhor destinação, ser usado para tratamento dos podres esgotos de estabelecimentos prisionais multiplicados no país. Ou então, pode aperfeiçoar a possibilidade de alimentação menos insalubre nos cadeiões pátrios. Parece, então, que o benefício, se houvesse, seria destinado àqueles que já podem respirar melhor. Num sentido bem figurativo ou metafórico, as algemas eletrônicas se assemelhariam a cuidados médicos a convalescentes, deixando-se à morte os que estão na UTI. E vivam os inventores das algemas, dos guardiões e da violação dos parlatórios garantidores das prerrogativas dos advogados.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos

** Texto da lei

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