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OAB-SP exige discrição na advocacia (ou “O Retrato de Dorian Gray”)

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
OAB-SP exige discrição na advocacia
(ou “O Retrato de Dorian Gray”)


Consta que o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP, por meio da Turma de Ética Profissional, fixou algumas regras de conduta nas aparições públicas de advogados, acentuando, inclusive, que o artigo 84 do provimento 94/2000 do Conselho Federal proíbe aos inscritos manifestações sobre casos concretos entregues a terceiros. Além disso, o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP teria decidido que a contratação de serviços de auditoria e consultoria jurídicas por municípios deve ser feita por meio de licitação, excluindo-se a modalidade de pregão. Esse último, em razão de usar fórmulas decrescentes, aviltaria os serviços advocatícios.

Tocante à questão correspondente ao cuidado que se deve ter na emissão de comentários sobre causas entregues a outros advogados, é bom notar que tal premissa merece obediência plena, pois não se deve interferir em contraditório no qual haja procuratório exercido por colegas. Qualquer opinião estranha à causa pode, certamente, levar a cidadania à perplexidade, confundindo inclusive a tramitação e, no mínimo, irritar o recipiendário do mandato. Não fica bem.

Outro aspecto proeminente constante da ementa ou da ata concretizada na Sessão número 553 da Turma de Ética Profissional é muitíssimo sofisticado. Diz com a prudência, ínsita ao exercício da advocacia, no sentido de o profissional manter sua imagem com dignidade nos meios de comunicação, sem promoção pessoal e insinuação em reportagens e declarações públicas. Dividam-se os pressupostos: há causas criminais homéricas entregues à defesa de advogados diferenciados. Queiram ou não queiram, exibem-se nos meios jornalísticos, com relevo na televisão. Ali, becados ou não, precisam emitir declarações sobre as hipóteses vertentes, sendo preciso realçar que a parte contrária, normalmente representada pelo Ministério Público, não costuma ser exatamente o primor de respeito ao comportamento discreto. A manutenção de silêncio, na alternativa, pode desequilibrar perigosamente o conflito em favor dos agentes da perseguição penal. Diferentemente à não divulgação promocional da efígie, complicam-se alguns fatores: há advogados, nas áreas multifacetadas do Direito, mandando imprimir “folders” contendo as qualidades de seus escritórios. Constituem, normalmente, escritos muitíssimo bem feitos que contêm, inclusive, a fotografia das respectivas equipes. Não se dirá, creia-se, que tal iniciativa seja constitutiva de promoção pessoal, não se as inscrevendo, quem sabe, nas advertências do Tribunal de Ética e Disciplina. Paralelamente, há quem desfrute de dimensão tão elevada que se excepcione da regra, merecendo, inclusive, foto de capa em revista patrocinada por instituições que congregam mais de cem mil advogados. Tais líderes se incluem, em razão do exemplo da própria vida, na honraria enunciada. Outros muitos, principalmente na área criminal, são também postos na página de rosto de revistas muito importantes e distribuição em todo território nacional, exibindo-se elegância enquanto vestem aquelas becas negras representativas de mantos reservados ao sacerdócio da defesa. Dentro do compasso, não se poderia dizer que a permissão à iniciativa de perenização da personalidade significaria promoção pessoal, pois quem chega a esse pináculo não precisa mais usar a multiplicação da própria imagem. São coisas da vida. Se assim não fosse, os arquivos do articulista, que são antigos e fatais, entronizariam belíssima galeria de companheiros que honraram e muito a advocacia criminal nos grandes conflitos ainda ecoando no Tribunal do Júri de São Paulo. Assim, o Tribunal de Ética da OAB precisa discernir, e muito bem, o delicadíssimo diferenciamento entre aquele que se exibe por motivo de captação de clientela e o outro que tem o condão de ser exibido por méritos hauridos na disputa judiciária. É bom dizer, no entremeio, da necessidade de uma vocação muito igualitária dos censores para examinar com benevolência os dizeres de opúsculos remetidos por um ou outro recém-formados ao farmacêutico, merceeiro ou panificador da esquina, na medida em que outra forma não têm de mostrar que existem. Não se pode partir, no frigir dos ovos, para dois pesos e duas medidas, pois o humilde advogado, embora incorretamente, pode querer demonstrar que, não tendo poder suficiente para ser posto em capa de revista, recorreu àquele meio permissivo, talvez, do angariamento de dinheiros para a feira do sábado. Isto lembra ao articulista a França do século XVIII. O advogado, chegada a hora de fixar honorários, virava as costas ao cliente. Tinha uma bolsinha na ilharga. Ali o consulente colocava a quantia que lhe parecia adequado, ou o montante possível às circunstâncias. Este cronista relembra, cinquenta anos atrás, honorária recebida, na véspera de natal, de cliente com possibilidades mínimas de estipêndio. Era um leitãozinho rosado e muito vivo dormindo dentro de um engradado. Ia virar iguaria na noite sagrada (um Cristo vivo e um leitão morto), mas as crianças não deixaram. O bebê suíno foi levado ao sítio de um amigo e lá viveu durante muitos e muitos anos, sempre estimado, pois leitão vive bastante. É preciso, então, que o Tribunal de Ética e Disciplina examine com cuidado eventuais diferenças de tratamento entre o rústico e incipiente profissional e o bem posto advogado a passear pelos labirintos do Foro, beca negra esfuziante ralando a fímbria no tapete vermelho dos corredores. Há em tudo um meio termo. Aplicando a mediação equilibradamente o Tribunal de Ética faz um bom serviço.

Resta particularidade muito delicada, aquela de se aconselhar, permitir ou disciplinar a contratação de advogados pelo poder público mediante concorrência, seja para a prestação de serviços jurídicos especiais, causas complicadas ou pareceres diversos. O articulista, analogamente a outros membros da Comissão de Prerrogativas, tem impetrado medidas judiciais em defesa de advogados que, sem licitação, prestaram assistência jurídica singularizada a municípios ou Câmaras de Vereadores. Tribunais de Justiça e a própria Suprema Corte, em razão da atividade protetiva referida, têm afirmado que os serviços de advogados não são licitáveis e, portanto, não se comete fraude à lei quando a contratação prioriza causídico diferenciado. Decisão recentíssima do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim o afirma, citando-se, se necessário, acórdão no Supremo Tribunal Federal relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence. Gera-se, aqui, um paradoxo, pois enquanto a Corporação, de um lado, se esmera em manter a liberdade de escolha em relação a profissionais da mesma área, um outro segmento sugere a realização de procedimento licitatório permissivo da opção pelo melhor preço e melhores condições, o que é absurdo, na medida em que à maneira da restrição a promoção pessoal, o advogado não pode oferecer serviços a terceiros, mormente na área criminal, onde a independência se põe expressivamente acentuada.

O cronista não tem o privilégio da verdade, mas mantém a capacidade de opinião. A título de fecho, deixa bem posto que a justiça precisa ser igualitária. Quanto à licitação, gera envergonhamento a submissão a possíveis editais convocando candidatos à prestação de serviços ao poder público. Deveria funcionar tudo, provavelmente, como na cirurgia. Cada qual tem uma habilidade própria e indefinível por via objetiva. É questão de escolha. Sabe-se que a advocacia cível vem sendo seduzida pela necessidade de competição agressiva. Não se chegou ainda à mistura entre capital leigo e sociedades de advogados, mas há no subterrâneo um sinal vermelho no sentido de que, se cuidado não houver, a advocacia se assemelhará a hospitais em que o médico é o assalariado e o diretor é o capitalista leigo (sem exceção dos estrangeiros). O Brasil é, hoje ainda mais, um bom negócio…

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

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