Home » Ponto Final » Apedrejamento no Irã (Apedrejaram a França)

Apedrejamento no Irã (Apedrejaram a França)

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
Apedrejamento no Irã
(Apedrejaram a França)


Quando eu era pequeno, estudava em colégio de padre, a exemplo do Presidente do Supremo Tribunal Federal. Foi bom, pois aprendi o latim, o castelhano, o francês e o inglês, não gostando do último. Não achava o idioma elegante. Tinha companheiros agressivos, gordinhos e espertos. Aquelas três categoriais me servem até hoje. Enquanto me apresentam a alguém, reduzo a criatura aos tempos dos frades, numa simbiose quase perfeita, sabendo que o menino de hoje é o homem de amanhã. Nunca me engano.

Nas instituições referidas (primeiro os irmãos maristas, depois os jesuítas), havia regras naturais, não escritas mas observadas religiosamente. Uma delas: não xingar a mãe do colega. Outro mandamento: a irmã e os parentes próximos deviam ser preservados. A violação dos preceitos levava a um confronto que tinha também seus regulamentos. Traçava-se uma linha no chão com um graveto, ofensor e ofendido se punham cada qual num dos lados e um dizia ao outro: “ – cospe aqui se tu for homem!”. O antagonista cuspia. Daí rolavam os dois no chão, jogando poeira para todo lado, até que viesse o “Irmão Ricardo”, sacolejando a batina preta, separando os dois e os pondo de castigo na árvore, querendo dizer um frondoso jacarandá centenário plantado num canto do campo de futebol. Ali decorei as “Catilinárias”. Como todos sabem, eram os discursos com os quais Cícero ofendia duramente, no Senado, a honra de Catilina. A memorização se fazia em latim, entenda-se bem. Até hoje sou capaz de repetir aquilo tudo.

Voltando ao desafio do cuspe e firmado nas regras primitivas dos primeiros estudos, devo dizer que transportei os dispositivos para a maturidade e a velhice, premissa que, aliás, não é tão rara, porque é sabido, entre o povo e principalmente entre os criminalistas, que xingar a companheira do outro pode resultar em morte, principalmente quando a chamam de mulher fácil ou, em linguagem mais ortodoxa, de meretriz. Aí não tem perdão. O xingador cuspiu do outro lado. É guerra!

Vem a introdução a propósito das ofensas feitas pela imprensa oficial do Irã à primeira-dama da França Carla Bruni, de origem italiana certamente, cantora meritória e, compreensivelmente, não casada com seu primeiro homem. Na modernidade, casamentos sucessivos não são anormais. Dentro do contexto, o presidente do Irã, que tem nome impronunciável (Mahmoud Ahmadinejad), deve empenhadíssimas desculpas a Nicolas Sarkozy, a Carla Bruni, à França e à própria Itália, sabendo-se que Nicolas ocupa ou ocupou posição importantíssima na organização chamada União Europeia. As ofensas derivaram do fato de Carla Bruni manifestado publicamente apoio à causa que pretende impedir o apedrejamento da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani. Os insultos à esposa do presidente francês merecem retorsão imediata. O Irã escarrou no solo da nação responsável pelo pressuposto universal: liberdade, igualdade e fraternidade. Há incidentes desculpáveis, como, por exemplo, aquele do Ministro Celso Lafer ter sido obrigado a ficar descalço no portaló de um aeroporto norte-americano. O insulto sai nas águas. Entretanto, denominar a mulher do francês de “puta” é gravíssimo. Esse negócio já provocou pesadas conflagrações. Basta lembrar a Guerra de Troia. Helena foi sequestrada por Páris. Menelau nem gostava dela, mas foi atrás. Tinha um aliado potente, Brad Pitt, quer dizer, Aquiles, impermeável a ferimentos, salvo no calcanhar. Final de história, morreu muita gente, dentro e fora do cavalo que trazia o ventre repleto de guerreiros.

Falando sério, outro dia vi três vultos encapuzados em Guarulhos, ala internacional. Parece que o trio era constituído por mulheres do Oriente Médio. Só lhes enxerguei o pedaço superior da face. Uma delas tinha lindíssimos olhos azuis. Podia-se imaginar o resto, mas no momento apenas refleti sobre a miserável situação imposta a elas no Irã e países outros que mantêm o mesmo sectarismo religioso.

O apedrejamento da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani seria a consequência de um desastrado adultério. Depois, a pena parece ter mudado para punição de homicídio. No meio disso tudo estão os aiatolás esquizofrênicos, o presidente Mahmoud Ahmadinejad, o francês Nicolas Sarcozy e os amigos do Irã, sem exceção de Luiz Inácio, o metalúrgico, mais Evo Morales, a quem o Irã emprestou duzentos milhões de euros. Lula se interessava por intermediar fornecimento de urânio enriquecido aos iranianos. É não esquecer que a França quer vender caças ao Brasil, sendo a preferida por Jobim. Veja-se como as coisas são complicadas: no fim, tudo vira negócio de família. E negócio de família é sagrado…

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

Deixe um comentário, se quiser.

E