Entre Robin Hood, Ivanhoé e as instituições bancárias
* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Entre Robin Hood, Ivanhoé e as instituições bancárias***
___________________________________________________________________________________
Todo garoto, nos idos de 1950, tinha vocação muito grande para a leitura de romances ligados à cavalaria andante da Idade Média, com realce para as incursões destinadas a difundir a religião católica entre os infiéis. Vestindo armaduras pesadas, os nobres cavalgavam incessantemente. Alguns, além de tentar a pregação religiosa naquelas regiões pouco convidativas, se dedicavam a localizar o chamado “Santo Graal”. As histórias sempre giravam em torno dessa atividade meritória, não se desprezando, entretanto, grande mortandade entre os subjugados. Havia, na imaginação do adolescente, algumas cenas carismáticas lembrando Ricardo Coração de Leão, o rei Arthur e a chamada Távola Redonda. Apareciam, no entremeio das descrições feitas, muitas damas da nobreza saxônica, sempre muito bem vestidas, usando chapéus característicos e saias a roçarem o chão de tão compridas que eram. As moças calçavam botinhas de cano curto. Alguma coisa parecida àquilo pode ser localizada, ainda hoje, na famosa rua Oscar Freire, de São Paulo. Os estilistas modernos, falhos em invenções, estão a buscar inspiração nos séculos XIII/XV.
Ivanhoé era um nobre caído em desgraça na Corte. Nada muito diferente do que acontece hoje em Brasília, Distrito Federal. Deixando de frequentar o palácio, o cavaleiro perdia as benesses do rei ou, nos condados, deixava de ter o apadrinhamento do senhor feudal. Isso aconteceu a Ivanhoé e a Robin Hood, dois personagens místicos e, portanto, não individualizáveis no tempo. Entretanto, qualquer história, mesmo fabuladora, pode ser adaptada a uma realidade qualquer.
Ivanhoé precisava defender a honra da rainha na liça (daí vem paliçada e, não se perdendo a oportunidade, surge também a palavra lide). A liça era o lugar dentro do qual se decidia a quem Deus daria a razão. Essas particularidades constam, inclusive, de clássicos de processo penal, um deles, inclusive, trazendo explicação em romântica nota de rodapé. Vai daí, Ivanhoé precisava disputar, na liça, para preservar a honra da rainha saxônica. Nosso herói estava falido. A cota de armas, as espadas, os cavalos e os escudeiros custavam caro, assemelhando-se, por exemplo, aos diferenciados carros esportivos vistos às vezes nas ruas da capital paulista. O cavaleiro andante, sem outra alternativa, pediu dinheiro emprestado a um usurário de York. Como bom israelita, o mercador recusou o empréstimo, porque o pretendente sequer tinha avalista. Eis então quando chegou Rebecca, filha do emprestador, apaixonada pelo nobre aviltado, oferecendo-lhe as joias que a mãe lhe deixara, guardadas num bauzinho. Ivanhoé aceitou o presente, mesmo porque aquela herança era privativa da moça. O duelo se realizou e Ivanhoé venceu. Não se sabe bem o que aconteceu depois, ou seja, se o vencedor ficou com a rainha ou com a belíssima judia Rebecca. De repente acolitou as duas, mas isso não tem relação com o texto.
O mercador de York era, repita-se, um usurário de qualidade. Se vivesse aqui, na atualidade, estaria emprestando dinheiro a juros com porcentagem superior a 12% ao ano. Se um devedor esperto não quisesse devolver o dinheiro, iria à polícia e o judeu passaria um bom tempo atrás das grades, sem poder descansar no Sabbath, pois a lei de usura tem no Brasil, ainda, quase plena vigência.
Faça-se pequeno comentário sobre o lendário Robin Hood. Robin furtava ou roubava os tesouros dos nobres feudais, e até do bispo, para dar aos pobres, atitude elogiável, por sinal, embora punida gravemente pela legislação penal brasileira.
Sempre que se pensa em Ivanhoé, Robin Hood e no mercador israelita, vêm à memória, no Brasil, as instituições bancárias em geral. Não vale a pena especificar tais estabelecimentos creditícios, mas é bom dizer que a imprensa, constantemente, discorre sobre lucros fabulosos de um ou outro. Curiosamente, tais bancos emprestam a juros elevadíssimos e usando requintes de sofisticação nas taxas impostas ao prestamista mas, quando o particular pretende aplicar algum dinheiro a juros, recebe minguadamente 1% ao mês, sem que se identifique por quais razões o Poder Executivo e autoridades responsáveis pelas diretrizes econômico-financeiras do país deixam que isso aconteça. Sabe-se apenas que o próprio Supremo Tribunal Federal não lança olhar sobre o fato ou, se o fizer, sempre há argumento no sentido de que o assunto ainda não foi regulamentado na lei ordinária.
Vem a questão a termo quando os jornais, após a eleição da Dilma, I e Única, Rainha do Brasil, noticiam que governos estaduais estão pretendendo a implantação, nas respectivas circunscrições, da satânica CPMF, podendo-se intuir que tal amealhamento pode estar na mira do governo federal.
Dentro do contexto, o Robin Hood dos pobres (vide Jorge Ben Jor) precisaria encontrar uma forma, sim, de escarmentar as instituições bancárias brasileiras em favor dos miseráveis, embora esteja acontecendo exatamente o oposto, porque os emprestadores de dinheiro já não mais têm lugar para colocar o lucro nas algibeiras, extorquindo-se, sem dúvida qualquer, a denominada classe média do país. Finalizando: se o mercador de Veneza, ou o usurário de York, pode sofrer as agruras de condenação por agiotagem, a mesma consequência deveria colocar os banqueiros atrás das grades. Tudo diz, no fim das contas, com um misterioso enlaçamento entre o Banco Central do Brasil e os donos das cartas patentes. Alguém explicou, diga-se de passagem, que os juros altos cobrados por financiadores se destinam a desestimular os gastos, ou seja, o endividamento da população. É uma tese absolutamente paranoica. Quem precisa vai, sim, pedir emprestado, fazendo-o ao israelita ou ao banqueiro. O primeiro, se colhido na especulação usurária, precisa de bom advogado para se safar. O último reina soberano, sem ser incomodado, embora praticando típica atividade de agiotagem.
* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.
** Áudio e vídeo
*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.