Chega ao palco a peça “12 Homens e uma Sentença”
* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Chega ao palco a peça “12 Homens e uma Sentença“***
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O Jornal “O Estado de São Paulo” de 19 de novembro traz a notícia de que a peça “12 Homens e uma Sentença”, levada ao teatro nos Estados Unidos da América Norte há muito tempo, chega a São Paulo, em montagem nacional. O enredo é extraído de filme com igual nome, personificado, lá atrás, por Henry Fonda (atuando como o oitavo jurado). A direção do filme é de Sidney Lumet. A filmagem se fez em preto e branco. Diga-se, aliás, que o próprio filme já era adaptação de peça escrita por Reginald Rose.
Deve ser interessante, principalmente para a classe jurídica brasileira, assistir à peça em questão. O júri sempre foi muito estimulante, até para o povo em geral, no Brasil e naqueles países do mundo que mantêm viva a Instituição. Diga-se que a sede mais romântica dos grandes julgamentos realizados no Brasil era a cidade do Rio de Janeiro. Ali, bafejado pelo Cristo Redentor, o vetusto Palácio da Justiça foi palco de grandes debates, principalmente numa época em que o jornalista David Nasser pontificava na revista “O Cruzeiro”, de Assis Chateaubriand, o mesmo que recebeu a Rainha da Inglaterra, aqui em São Paulo, na inauguração do museu de arte, o famoso MASP, tudo perenizado por inscrições feitas na pedra bruta servindo de marco ao primeiro dia de vida daquele museu. O MASP foi projetado por Lina Bo Bardi, mulher de Pietro Maria Bardi, constando que o prédio exibe, na construção, uma das maiores áreas livres da América Latina. O autor da crônica conheceu Pietro quando este foi perito nomeado para identificação de uma “Nossa Senhora” presumivelmente integrante do acervo deslocado de coleção preciosa de Barroco Brasileiro. Pietro era um homem supinamente interessante no ponto de vista cultural e profundo conhecedor da arte em geral, tanto assim que, juntamente com Chateaubriand, se incumbira de prover o MASP de inúmeras pinturas e esculturas diferenciadas.
Voltando-se ao júri e à revista “O Cruzeiro”, vale recordar alguns processos muito famosos, ao tempo, destacando-se o caso “Aída Cury” e o processo do “Tenente Bandeira”. Já faz muitos anos mas, quem sabe, aqueles dramas postos nas páginas da publicação que trazia, também, caricaturas em que o personagem era, sempre, o “Amigo da Onça”, teria sido a razão maior de se transformar o cronista num advogado criminal, porque a beca negra do especialista, a bata do cirurgião, a toga do juiz, a farda do bombeiro e, quem sabe, os adereços do uniforme do piloto de aviões de caça, paralelamente à batina debruada do sacerdote ou à máscara de Scaramouche sempre trouxeram consigo um encanto todo especial, principalmente para as mulheres (perdoe-se a sensualidade) transformando o ser humano medíocre numa criatura mística e carregada de mistérios. Basta pensar nos símbolos que representam as efígies do teatro grego (as comédias e as tragédias) embora, no entreato, sempre predominando a tristeza. Dentro de tal contexto, o cronista, no correr dos anos e na medida em que envelhecia, frequentou os “Salões dos Passos Perdidos” (v. Evandro Lins e Silva) múltiplas vezes, perdendo a conta das oportunidades em que foi vencedor e vencido, restando sempre, mesmo quando vitorioso, uma sensação de angústia extrema em razão da não descoberta da verdade total. Chega a época, nessa gradação da vida, em que o velho criminalista começa a perceber que o júri, sendo o teatro de dramas vertendo o sangue, também pode matar aqueles que repetem, no julgamento, os conflitos concretos, numa ficção já exaltada, em outros termos, pelo próprio “To be or not to be” perenizado por Shakespeare na própria tragédia grega. A percepção de tal contexto constitui advertência séria aos antigos, prevenindo-os de que as emoções dos julgamentos dos crimes contra a vida podem pesar demais e desencontrar o compasso do coração. Assim, gostando de viver, o penalista vetusto sossega um pouco, embora olhando cobiçosamente a vestimenta negra que o faz, segundo consta, diferente dos demais.
O anúncio da peça “12 Homens e uma Sentença” revolve as muitas e muitas oportunidades em que, na sala secreta, o juiz tirava uma a uma, da sacola ou do receptáculo de madeira, as cédulas que representariam a absolvição ou o encarceramento do acusado, cena extremamente emocionante, é certo, mas constitutiva do pináculo do risco a que os profissionais se expõem, desde o laboratorista a manipular uma ampola infectada até o marujo que decide enfrentar, numa tarde chuvosa, o mar encapelado.
O filme “12 Homens e uma Sentença”, agora transformado em peça a ser levada aos palcos de São Paulo, tem ligação com a teimosia de um jurado (o oitavo) que impedia, com seu voto discordante, a unanimidade a levar o acusado a uma condenação extrema. No Brasil é diferente: basta a maioria. Acresça-se que em recente, mas absurda modificação dos dispositivos legais que regulamentam o júri, obtida votação majoritária no sentido de absolvição ou condenação, não se prossegue na aferição do voto dos jurados remanescentes, significando que a maioria simples (quatro votos) encerra a votação correspondente à materialidade do fato e à autoria ou participação, prosseguindo-se em quesitos outros, na hipótese condenatória, mas sempre numa grande confusão impeditiva da real aferição da vontade dos juízes. De qualquer forma, às vezes o Conselho de Sentença quer impor pena branda e não consegue, até mesmo porque o jurado, perturbado pela timidez, não consegue dizer ao magistrado que se equivocou.
O filme que dá título à crônica conduz o espectador a uma conturbada análise da falibilidade das convicções correspondentes à culpabilidade ou inocência dos seres humanos postos em julgamento. Ao lado ou à margem dos debates, a imprensa costuma surgir, escabujando em imprecações, levando os julgadores a caminhos nem sempre adequados a uma justa decisão.
* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.
** Áudio e vídeo
*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.