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Como cuidar de epidemia sem se infectar

* Paulo Sérgio Leite Fernandes
**Gustavo Bayer
Como cuidar de epidemia sem se infectar***

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Crônicas e comentários sobre o conflito gerado pela determinação, no Rio de Janeiro, de reação ao tráfico de entorpecentes, envolvendo não só o chamado “Complexo do Alemão” mas todas as favelas, parecem ter esgotado as possibilidades dialéticas. Dá a sensação, respeitadas as óbvias proporções, da “Guerra nas Estrelas”, em que Darth Vader é, com justa razão, o espírito do mal e Skywalker aparece significando as forças do bem. É assim e não é assim, pois em tudo pagam alguns justos, além dos pecadores. Sempre existem excessos: uma bala perdida aqui, uma criança com o crânio esfacelado, um policial morto ou incapacitado para o resto da vida, um bandido que entra vivo no camburão e chega morto ao hospital, e assim por diante. É uma guerra. Em conflagrações de tal tipo é impossível a adequada delimitação dos efeitos do combate do bem contra o mal. O episódio, durante alguns dias, tomou conta da televisão, repercutindo no mundo inteiro. Deve ter havido algum solerte repórter buscando alguma originalidade nos restolhos da invasão daqueles morros da Cidade Maravilhosa. Quem o fizesse perceberia, por exemplo, uma ou outra mesinha posta por corretores para receber inscrições de pretendentes a sinais da TV a cabo. Fechados os bares, o pasteleiro da esquina deve ganhar algum para sustento da gurizada, nada muito diferente das chamadas guerras de conquista. Houve, no encerramento do confronto físico, um simulacro do hasteamento da bandeira americana em Iwo Jima. Tudo muito certo, elogiável e aplaudido. O mal não pode vencer. Faz parte do eterno e pré-histórico pressuposto da consciência humana.

Maiores reflexões ficam para os psicólogos e psiquiatras em geral, com algumas pitadas de filosofia socrática. Sobram, a título de fecho, algumas considerações quanto a outro tipo de ambivalência, ou seja, o contraditório entre a acusação e a defesa. Uma das redes de televisão presentes ao embate, não valendo a pena dizer qual delas, filmou Darth Vader, apelidado “Zeu” (ou Zeus)? Exibiram-no como se fora fera selvagem. Era uma espécie de troféu, é claro. “Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas” (Machado de Assis – Quincas Borba). Na hipótese vertente, resta o ódio. Além de tudo, a criatura teria co-participado da execução de jornalista cujo corpo nunca foi localizado, ressaltando-se que o episódio tem ligação direta com a vitimologia, a exemplo do repórter da Reuters que recebeu um balaço enquanto cobria a contenda carioca. Há quem queira morrer sem saber como.

Não se fuja ao título da crônica: o tráfico de entorpecentes é epidêmico. A defesa é imprescindível, fazendo parte de preceitos pétreos da Constituição. Difícil, muito difícil mesmo, criminalistas assumirem a defesa de Darth Vader. Já houve, aqui mesmo em São Paulo, casos de advogados que tiveram seus celulares monitorados e suas conversas espionadas em parlatório. No episódio do Rio de Janeiro decretou-se a prisão preventiva de alguns, evitando-se, segundo consta, a comunicação intermediada. Pelo sim pelo não, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro deve tomar conta dos suspeitos capturados. Ou então o Arcebispo do Rio de janeiro há de precisar cobrir Darth Vader com o manto protetor da sobrepeliz reservada às ocasiões solenes. A explicação é simples: nas circunstâncias, pouquíssimos criminalistas se aprestariam a cumprir a exigência posta na Carta Magna. Nem mesmo a Ordem dos Advogados da Cidade Maravilhosa se pronuncia a respeito. Está quieta pois, no final das contas, engrossa o contingente da cidadania enraivecida. O exercício da defesa, ali, é infectante. Busque-se um padre ou, quiçá, uma freira. Ainda assim, ambos correriam o risco de terem feito pacto com Belzebu.

* Advogado criminalista em São Paulo há cinquenta e um anos.

** Áudio e vídeo

*** O texto é de única e absoluta responsabilidade do autor Paulo Sérgio Leite Fernandes. O intérprete Gustavo Bayer é apenas o ator.

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